segunda-feira, 29 de maio de 2023

Motores de 3 cilindros: Amados e odiados pelos mecânicos

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Será que o preconceito contra motores de 3 cilindros é realmente justificado? Saiba por que foram adotados na indústria automobilística e quais conceitos precisam ser revistos na manutenção

 

No final dos anos 80, os jornalistas automotivos Ken Zino e Norman Mayersohn [1] previram corretamente que o mercado mundial daria, nos próximos anos, preferência a veículos que apresentassem performance, porém com baixos níveis de consumo de combustível e emissão de poluentes.

A solução apresentada pela indústria, segundo esses autores, eram os recém-desenvolvidos motores de alta potência e baixa “litragem”. Todos eles alimentados eletronicamente, alguns superalimentados e/ou fabricados com novos e modernos materiais (ligas de alumínio).

Como exemplo, foram citadas as contínuas inovações inseridas pelas japonesas Toyota e Honda (já naquela época) e o novo motor Concept 90 de 3 cilindros, 4 tempos, criado pela Chrysler dos Estados Unidos.

No entanto, a história da utilização de motores de 3 cilindros de baixa cilindrada (800 cm³ a 1.000 cm³) em automóveis (o famoso: “tirar mais do menos”) retrocede a pelo menos 30 anos antes. Só que operando em um ciclo motor de 2 tempos.

Poucos são aqueles (mecânicos e/ou entusiastas) que nunca ouviram falar dos famosos DKW Vemag que, por muitos anos, rodaram nas nossas ruas e estradas. E que continuam encantando muitos antigomobilistas.

Já na Asia e na Europa, essa utilização era ainda mais antiga e difundida. Montadoras como a Saab e a Suzuki também disponibilizavam motorizações similares em alguns de seus modelos.

Eficientes no que diz respeito à relação dimensões/potência? Sem sombra de dúvidas! E a História já provou isso. Mas o preço por essa eficiência acabou, com o passar dos anos, se tornando impagável: altíssimos níveis de ruído e emissão de poluentes.

Contudo, as versões de 4 tempos, disponibilizados desde o final dos anos 70, como o Daihatsu C-series [2], continuaram por décadas. Alguns até os dias atuais. Ou seja: a utilização de motores de 3 cilindros em automóveis, além de não ser nenhuma novidade, é um “case” de sucesso.

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A evidência, por sinal muito clara, reside não só na sua continuação (por décadas) em mercados exigentes como o europeu e o japonês, como na sua disseminação global. E todo mundo sabe que o mercado automobilístico é implacável com relação às “novidades”: desagradou, desapareceu.

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Mas se é tão bom, por que motores de 3 cilindros têm tantos críticos?

Bem, uma das razões é a vibração que eles geram. Segundo o engenheiro mecânico Michael Fernie [3], para quem os motores de 3 cilindros em linha são o “negócio do momento”, os mesmos raramente ocasionam problemas. No entanto, nem sempre são agradáveis de ser operar.

Essa mesma referência afirma que o motor de 3 cilindros em linha é, basicamente, um motor de 6 cilindros em linha cortado ao meio.

Isso implica em um equilíbrio de forças, porém em um desequilíbrio de torque: enquanto o pistão número 1 atinge o PMS, os outros dois estão a 120 graus de distância do PMS ou do PMI. Isso significa que as forças primária e secundária estão equilibradas verticalmente. No entanto, o torque não (como ocorre num motor 6 cilindros em linha). Ou seja, o motor tenta girar naturalmente e sobre si mesmo.

Esse desequilíbrio (compartilhado com os motores de cinco cilindros em linha), aliado ao fato de que a ignição ocorre a cada 240 graus de rotação do eixo de manivelas, leva a uma falta de suavidade na entrega de energia. O que gera um comportamento irregular, especialmente em rotações mais baixas (vibração), além de um trem de força barulhento [3].

Por outro lado, o cilindro a menos (25% do conjunto) reduz sensivelmente as perdas por atrito dos componentes móveis [4]. Este fator, associado a deslocamentos menores (pistões, anéis, etc.), geram números expressivos no que tange a eficiência do motor: relação potência/dimensões, consumo de combustível e emissão de poluentes. Valores esses bem conhecidos do mercado. [3].

E por serem leves e compactos podem e são, atualmente, aplicados em várias plataformas, de toda uma gama de veículos, de vários fabricantes tradicionais.

Por sinal, fabricantes esses que não arriscariam o seu nome e tradição, se não tivessem certeza de quo o produto ofertado atenderia devidamente o mercado. Obviamente, obedecidas as recomendações de utilização e manutenção.

Por exemplo, a BMW utiliza o trem de força de três cilindros desde o “Mini” até o seu carro esportivo híbrido i8. [3]. Isso sem falar das aplicações de outras montadoras tradicionais (como a Hyundai e a Nissan) em toda a sua gama de produtos, com raros casos de reclamações sobre a qualidade do produto.

Mas é preciso ter em mente que essa redução de peso e dimensões, proporcionados pelo salto da tecnologia, implica que esses motores trabalhem muito próximos aos limites previstos pela engenharia (mas com a devida segurança).

Logo, não se pode estranhar algumas alterações nos parâmetros de funcionamento, em relação as versões de mais cilindros e mais “tecnologicamente antigas”: rotações e temperaturas de operação mais elevadas, restrições quanto a instalação de acessórios não originais, etc.

Da mesma forma, é preciso lembrar que a operação nessas condições, pode trazer algumas consequências que, se não tratadas preventivamente, podem provocar defeitos críticos.

A fabricante de aditivos para lubrificantes estadunidense SBZ Corporation [5] cita algumas dessas consequências:

  1. Pré-ignição de baixa velocidade (LSPI);
  2. Desgaste prematuro da corrente de distribuição por fuligem;
  3. Oxidações e formação de depósitos.

O tratamento preventivo se dá por meio do aumento das exigências nos procedimentos de operação e manutenção. Por exemplo:

  1. Aumento da qualidade do combustível utilizado;
  2. Maior rigidez nas especificações e os períodos de troca de lubrificantes e fluidos de arrefecimento utilizados.

Exigências essas que se NÃO obedecidas, podem gerar problemas e curto, médio e longo prazo.

Nesse ponto, é relevante citar o posicionamento do fabricante SBZ Corporation [5], no que diz respeito aos lubrificantes para motores downsizing:

Os motores dowsizing superalimentados e com injeção direta (TGDI) devem ser protegidos por lubrificantes projetados especialmente para essas condições operacionais (severas) [5].

Lubrificantes esses que devem incorporar todas as características de desempenho esperadas para o motor tradicional (resfriamento, limpeza do motor, proteção contra desgaste, inibição de corrosão, etc.), além de componentes de primeira linha para resolver problemas complexos introduzidos com o TGDI (Pré-ignição de baixa velocidade (LSPI), desgaste prematuro da corrente de distribuição por fuligem e oxidações e formação de depósitos) [5].

Motores de 3 cilindros permitem retifica?

Outro fato que merece uma atenção especial é a diminuição da “gordura” de material aplicado na fabricação, típica das reduções dimensionais. Algo que PODE reduzir ou, até mesmo, inviabilizar (técnica e/ou financeiramente) a quantidade de operações de reforma dos conjuntos mecânicos desses motores. A ocorrência desse feito NÃO é uma obrigação. Os casos devem ser analisados um a um, pois NÃO HÁ REGRA GERAL.

Essa possibilidade de redução de possibilidades de manutenção, por sinal, está gerando muita polêmica no mercado. Polêmica essa que reside sobre dois mitos criados sobre os motores downsizing 3-cilindros:

  1. Esses motores NÃO podem ser retificados (reformados);
  2. Devido ao seu tamanho menor (1 cilindro a menos), a retifica (reforma) desses motores é obrigatoriamente mais barata do que a dos motores maiores e menos tecnológicos.

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No que diz respeito à possibilidade de reforma (retifica), tudo depende da disponibilidade de peças de reposição adequadas (sobremedida) e especificações técnicas. Se houver, podem ser reformados como qualquer outro. E parece que é o que ocorre, com grande parte dos modelos atualmente comercializados.

No entanto, NÃO é nenhuma novidade que, algumas montadoras, por estratégias e razões próprias, negaram veementemente, em um passado não muito distante, a possibilidade de reforma de alguns modelos de motores. Inclusive vetando o fornecimento peças de reposição com sobremedidas. A única opção ofertada, para os casos de desgaste excessivo e/ou acidente, desses modelos, era a substituição do motor parcial ou completo.

Só que a maioria dos “retificadores” brasileiros, além de serem profissionais bastante preparados (muitos são engenheiros mecânicos com larga experiência), sabem pesquisar e contam com o apoio entidades de classe fortes.

Quando tecnicamente possível, não demorava muito para que as peças e as especificações para usinagem e montagem fossem localizadas no exterior. Com o passar do tempo e alguma pressão do mercado, essas peças e as respectivas especificações técnicas acabaram sendo “liberadas” para o mercado nacional.

No que diz respeito aos modernos motores downsizing, está ocorrendo exatamente a mesma coisa. Se é constatado, no exterior, a possibilidade técnica de se executar a reforma de um determinado modelo de motor, com segurança e qualidade, mas algo que impede ou atrapalha o processo e não pode ser encontrado no Brasil, é localizado e trazido para cá. Resultado: uma grande parcela dos motores downsizing está sendo reformada.

Agora no que diz respeito ao custo dessa reforma, mais uma vez vale a máxima popular: “Tamanho não é documento”. O fato do motor ter um cilindro a menos NÃO significa que a sua reforma custará mais barato do que a de um motor de maior tamanho.

Devido às suas menores dimensões, paredes mais finas e folgas bem mais “apertadas”, esses motores exigem muito mais cuidados nas operações de usinagem, ajustagem e montagem. Investimentos em dispositivos, ferramentas e tecnologia, que não custam barato, que precisaram ser feitos, agora devem ser pagos. Isso sem falar da responsabilidade envolvida.

Além do mais, as peças de reposição desses motores não são nada baratas, pois são mais tecnológicas do que as mais antigas. E muitas delas são importadas.

Uma rápida pesquisa no mercado das retificadoras irá revelar que uma reforma tecnicamente correta, com qualidade e garantia apenas do conjunto mecânico (sem os periféricos) de um motor downsizing moderno, pode custar bem mais do que a de um motor mais antigo de maior tamanho.

E como não existe milagre no setor da reparação: desconfie sempre de preços muito baixos.

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Artigo por Fernando Landulfo publicado originalmente na Revista O Mecânico (ed.349, maio/2023)

 

 

 

 

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