quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Motor: Manutenção do motor Fiat 2.4 Tigershark (Parte 1)

Conheça os aspectos técnicos do motor flex 2.4 Tigershark, presente na picape Toro entre 2016 e 2020, incluindo o procedimento de remoção e montagem do sistema MultiAir

 

O motor 2.4 Tigershark estreou no Brasil com a Fiat Toro, em novembro de 2016, para ser a opção mais potente da gama da picape. Oferecido inicialmente na configuração Freedom, foi estendido em 2018 à versão topo de linha Volcano. Com a chegada da linha 2021 da picape, a Fiat deixou de oferecer o 2.4, mantendo apenas o 1.8 E.torQ flex (139 cv) e o 2.0 Multijet diesel (170 cv). Ainda este ano, a picape deverá ganhar um novo 1.3 turbo flex com potência estimada em 170 cv.

A legislação tributária do Brasil acabou por viabilizar a adoção do 2.4 Tigershark por aqui, já que picapes não têm incidência maior de impostos de acordo com a cilindrada do motor. E foi justamente por causa da maior taxação de IPI para motores acima de 2.0 em carros de passeio que o 2.4 nunca foi estendido para o Jeep Compass, como ocorre nos Estados Unidos, por exemplo.

Além do SUV médio, este motor (na versão sem injeção flex) já foi ou é atualmente aplicado em diferentes modelos da Stellantis vendidos na América do Norte, como os sedãs Chrysler 200 e Dodge Dart, os SUVs Fiat 500X, Jeep Cherokee e Renegade e o utilitário Ram ProMaster City.

Este 2.4 é produzido no México, na fábrica de motores de Saltillo, de onde também saem os motores HEMI 5.7 V8 e 6.2 V8. Na versão flex da Toro, o Tigershark produz 186/174 cv de potência a 6.250 rpm (E/G) e 24,9/23,5 kgfm de torque a 4.000 rpm. Graças ao sistema MultiAir, 91% do torque máximo é entregue a 2.000 rpm. “Isso é algo raro em motores aspirados. O MultiAir otimiza a entrega de torque a baixas rotações e melhora em até 10% a eficiência em relação a um motor sem este sistema, dependendo da carga e da rotação”, explica o especialista de Produto Powertrain da Stellantis, Erlon Rodrigues.

O motor 2.4 Tigershark tem 2.360 cm³, injeção multiponto sequencial indireta, sincronismo por corrente e quatro válvulas por cilindro. Possui ainda bloco e cabeçote em alumínio, material que auxilia na redução de peso e na dissipação de calor. Os pistões contam com pinos flutuantes e revestimento especial (chamado de “Diamond-Like Carbon” ou simplesmente DLC), a fim de reduzir o atrito interno. O virabrequim é de aço forjado para aumentar a resistência do conjunto, enquanto as velas têm a ponta dos eletrodos de irídio.

MULTIAIR

Uma das principais tecnologias deste motor 2.4 Tigershark é o sistema MultiAir, responsável por variar o tempo e abertura das válvulas de admissão por meio de um sistema eletro-hidráulico, comandado pelo gerenciamento eletrônico do motor. As principais vantagens estão na melhoria da eficiência de queima do combustível e redução das emissões de escape.

“O MultiAir usa a válvula como o elemento de aceleração do motor numa maneira mais aprimorada do que o variador de fase contínuo. como é um sistema mais sofisticado, permite uma liberdade de movimentação das válvulas quase infinita”, explica Rodrigues.

A atuação do MultiAir garante o controle dinâmico da entrada de ar, cilindro por cilindro, e ciclo por ciclo. O funcionamento é feito com o auxílio de um pistão, movido por um came mecânico, conectado à válvula de admissão por meio de uma câmara hidráulica controlada por uma válvula solenóide que é ligada a uma unidade eletrônica de controle. Desta forma, o curso de levantamento da válvula varia conforme a demanda de ar do motor.

“Como o MultiAir é um sistema complexo com grande precisão de usinagem e funcionamento, é fundamental se atentar para a utilização do óleo correto”, recomenda o especialista. O lubrificante homologado para este motor é o Petronas Selènia K Pure Energy 5W-30, API-SM, sintético.

PROGRAMAÇÕES DO MULTIAIR

Diferentes estratégias são adotadas pelo MultiAir para otimizar a eficiência da combustão. O curso total de levantamento das válvulas de admissão (conhecido como Full Lift), sistema convencional de abertura nos motores de Ciclo Otto, é utilizado pelo MultiAir somente quando é necessária potência máxima do motor.

Na partida do motor e em marcha lenta, o MultiAir comanda a abertura tardia da válvula (modo LIVO) e determina uma maior velocidade de entrada de ar no cilindro, otimizando a mistura. Já em rotações médias e baixas a plena carga, o modo de fechamento antecipado da válvula de admissão (EIVC) otimiza a massa de ar no interior do cilindro, evitando o retorno de fluxo pela válvula de admissão. Em cargas parciais, o funcionamento EIVC reduz as perdas por bombeamento, aumentando a eficiência do motor neste tipo de utilização.

O modo de múltiplas aberturas das válvulas (Multi Lift), com duas aberturas por ciclo, é utilizado durante cargas de rotação muito baixas (como dirigir em trânsito lento), o que permite aumentar a turbulência da mistura e, assim, otimizar a combustão.

O procedimento de desmontagem do motor 2.4 Tigershark foi executado pelo mecânico de veículos experimentais da Stellantis, Cleiton de Souza, sob a supervisão do especialista de Produto Powertrain Erlon Rodrigues, no Learning Lab da fabricante de automóveis em Campinas/SP. O motor utilizado é destinado aos treinamentos da fabricante e já estava posicionado em cavalete, sem o coletor de escapamento, alternador ou correia de acessórios.

INÍCIO DA DESMONTAGEM

1) Desencaixe a eletroválvula do cânister, que tem a particularidade de ser externa neste motor, acoplada ao coletor.

Motor FIAT TIGERSHARK Motor FIAT TIGERSHARK

2) A flauta de combustível é feita em aço inoxidável e aquecida (2a), para a função de preaquecimento do etanol em partidas a frio. Para removê-la, utilize a chave hexalobular 30. Na montagem, o torque de aperto é de 6 Nm (2b). “O torque é baixo pois os parafusos são de rosca soberba, aplicados diretamente no plástico do coletor”, afirma o especialista de Produto Powertrain da Stellantis, Erlon Rodrigues.

3) Remova os 5 parafusos do coletor de admissão com uma chave hexagonal de 10 mm, na sequência de fora para dentro. Na montagem, a ordem de aperto é de dentro para fora, com torque de 13 Nm.

4) Os dois parafusos inferiores do coletor são do tipo prisioneiro, a fim de guiar o posicionamento e encaixe correto dos dutos do coletor aos dutos do cabeçote. O coletor não possui ressonador e nem o sistema VIS (como no motor 1.8 e.TorQ), devido ao sistema MultiAir.

Motor FIAT TIGERSHARK Motor FIAT TIGERSHARK

5) Para soltar a tubulação da bomba d’água, é preciso remover o suporte da válvula termostática. Utilize duas chaves sextavadas (de 6 mm e 8 mm) para remover os 4 parafusos do suporte (5a). O corpo da válvula é feito em alumínio e possui o sensor de temperatura integrado (5b). Na montagem, o torque de aperto é de 12 Nm.

6) Com uma chave 13 mm, remova os dois parafusos de fixação do suporte da tubulação da bomba d’água, que é fixado no bloco do motor. Na montagem, o torque de aperto é de 24 Nm. Removida a tubulação, retire a junta metálica de união com a bomba d’água.

7) Toda a tubulação externa de água deste motor é feita em alumínio, a fim de diminuir o peso do motor.

8) Para remover a bomba d’água, retire os 5 parafusos sextavados com chave 12 mm. O torque de montagem é de 24 Nm. A carcaça deste componente também é de alumínio e a vedação junto ao sistema de arrefecimento é feita por uma junta metálica.

9) Para retirar as bobinas de ignição, remova os quatro parafusos hexagonais com chave 10 mm. Na montagem, o torque de aperto é de 8 Nm.

10) As velas (de 14 mm) têm a ponta do eletrodo composta de irídio. O torque de aperto na montagem é de 27 Nm, com uso de chave 16 mm. De acordo com o manual do fabricante, a substituição das velas neste motor é recomendada a cada 60 mil quilômetros.

11) Para remover a tampa de válvulas, utilize a chave de 8 mm e faça a remoção dos parafusos na sequência de fora para dentro, em sentido cruzado. Inicie a remoção pelos parafusos centrais das extremidades laterais. Na montagem, o torque de aperto é de 10 Nm, com ordem de dentro para fora.

12) Os parafusos da tampa não são do tipo imperdíveis, mas ficam presos à junta no momento da remoção da tampa.

13) Nas junções de duas superfícies (como na união do módulo MultiAir com o cabeçote, por exemplo) ou em mudanças de planos da superfície (curvas), é feita a aplicação de pontos de silicone a fim de evitar vazamentos nestes locais. No total, há seis locais de aplicação de silicone na hora da montagem: dois na junção do cabeçote com o front-cover, dois na união do módulo MultiAir e dois na superfície de  encaixe da bomba de vácuo.

14) Ao analisar a tampa de válvulas, é possível ver os dois caminhos dos sistemas de separação de óleo (blow-by): o da válvula PCV e o da aspiração em si.

15) Para remover a bomba de vácuo, retire os 3 parafusos com chave 13 mm. Na montagem, o torque é de 23 Nm. A bomba de vácuo neste motor, de aspiração natural, tem como objetivo atender ao sistema MultiAir. “Com o MultiAir, é possível usar as válvulas para fazer a aceleração do motor. Portanto, há pouco vácuo dentro do coletor de aspiração. Se não houvesse a bomba de vácuo, a performance dos reios do carro poderia ser prejudicada. A bomba serve para compensar essa falta de vácuo”, detalha Erlon.

16) A bomba de vácuo possui duas vedações com juntas de borracha: na própria conexão principal da peça e no o’ring. Antes da montagem, é necessária a aplicação de sigilante (selante).

17) A corrente de distribuição do motor 2.4 Tigershark é do tipo “silent chain”, pelo funcionamento mais silencioso que uma corrente convencional. Ela faz parte do pacote de redução de ruídos e vibrações do projeto deste motor.

18) Todo motor com o sistema MultiAir possui apenas um eixo de comando, que controla diretamente as válvulas de escapamento. O acionamento é como em qualquer motor de fase fixa. “O sistema MultiAir dá completa liberdade para a movimentação da válvula de admissão. Por isso, a de descarga é uma válvula de acionamento direto e não necessita de variação”, conta o especialista da Stellantis.

REMOÇÃO E CUIDADOS DE INSTALAÇÃO DO MÓDULO DO MULTIAIR

19) Para remover o módulo do MultiAir, solte primeiro os quatro parafusos de fixação de cabeça Allen 6 do lado das eletroválvulas do módulo.

20) Na sequência, fixe a ferramenta de compressão das molas do módulo. Trata-se de ferramenta especial Snap-On, de código 2020000090, que serve tanto para o MultiAir no motor 1.4 (Fiat 500) quanto no 2.4 Tigershark (Fiat Toro).

21) Com as molas comprimidas, retire os quatro parafusos restantes do módulo com chave Allen 6, na sequência de fora para dentro.

22) Remova o módulo do MultiAir e o posicione na bancada sempre na horizontal, em posição de trabalho. Evite virar o módulo.

23) Nesta foto, giramos o módulo apenas para mostrar os tuchos hidráulicos que atuam nas válvulas.

24) Retire ainda a junta metálica do módulo MultiAir.

25) Na montagem do módulo, é importante a aplicação de silicone nos pontos de junção de superfícies.

Motor FIAT TIGERSHARK Motor FIAT TIGERSHARK

26) A fixação do módulo MultiAir é dividida em três etapas. Na primeira, aplique o pré-torque de 10 Nm nos 6 parafusos (26a) que não ficam encobertos pela ferramenta de compressão das molas. A ordem de aperto é de dentro para fora, com a sequência listada de 1 a 6 na imagem (26b).

Motor FIAT TIGERSHARK Motor FIAT TIGERSHARK

27) Remova a ferramenta de compressão das molas, encoste os quatro parafusos restantes e aplique 10 Nm em todos os 10 parafusos, inclusive os que já haviam sido pré-torqueados (27a). A ordem de aperto é de dentro para fora, de acordo com a sequência de 1 a 10 listada na imagem (27b).

28) Por fim, aplique o torque de aperto final de 22 Nm em todos os parafusos. A ordem de aperto é a mesma do passo anterior.

REMOÇÃO DO FRONT COVER E CÁRTER

29) Para a remoção da polia dos órgãos auxiliares do motor, faça o travamento do flex plate pela engrenagem do motor de partida.

30) Solte o parafuso de fixação da polia com chave 22 mm. “A vedação do front-cover ocorre em cima da polia, e não sobre o eixo virabrequim. A polia é chavetada e não tem encaixe sobre pressão”, detalha Erlon. Na montagem do parafuso de fixação, o torque é de 50 Nm + angular de 68°.

31) Utilize chave 13 mm para a remoção do rolamento de apoio. Na montagem, é necessária a aplicação de trava química no parafuso do tensor e torque de aperto de 25 Nm.

32) Solte os 3 parafusos do suporte do ar-condicionado com chave de 10 mm.

33) Solte os parafusos do cárter. Há dois parafusos maiores, de chave 12 mm, que são estruturais, na região onde fica o suporte do ar-condicionado. Para os demais, use chave 10 mm. Na montagem, o cárter é colado com silicone. O torque de aperto dos parafusos de chave 10 mm é de 9 Nm, enquanto os de chave 12 mm têm torque de aperto de 25 Nm.

34) Solte os parafusos de fixação do front cover. Primeiro, remova os 3 parafusos de chave 12 mm e 1 parafuso de chave 13 mm na extremidade superior lateral. Na montagem, estes parafusos têm torque de aperto de 25 Nm.

35) Em seguida, remova os parafusos de chave 10 mm, na sequência de fora para dentro, de forma cruzada. Na montagem, o torque de perto é de 9 Nm, na ordem inversa à desmontagem.

36) Depois, remova os 4 parafusos de chave 15 mm. O torque de aperto é de 65 Nm.

37) O último parafuso a ser removido do front cover é o superior central, de chave 13 mm, com torque de 65 Nm para montagem.

38) Para soltar o front cover, há dois pontos de apoio nas extremidades superior e inferior para fazer a alavanca. Comece pelo ponto superior.

39) Na montagem, deve-se aplicar selante não somente no perímetro externo do front cover, mas também ao redor dos orifícios dos dois parafusos centrais.

40) Há duas formas de remoção do cárter. Com o front cover aplicado, deve-se fazer o movimento de alavanca em dois pontos laterais, tomando cuidado para não amassar a borda da peça. Já quando o front cover é removido, como neste procedimento, basta fazer a alavanca com o apoio diretamente no bloco do motor, pela parte frontal.

Colaboração técnica: Stellantis/Fiat
Mais informações: 0800-707-1000

 

Veja na próxima edição da Revista O Mecânico (ed. 323, Março/2021) a segunda parte da manutenção do motor 2.4 Tigershark, com os detalhes sobre o sincronismo, cabeçote, cárter, sub-bloco, virabrequim, pistões e bielas.

 

Texto: Gustavo de Sá e Fernando Lalli
Fotos: Fernando Lalli

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