quinta-feira, 28 de abril de 2022

Como funciona o câmbio automático?

Saiba qual é o conceito de funcionamento de um câmbio automático epicicloidal em todos os seus detalhes: como o câmbio transmite a força do motor para as rodas, onde estão as marchas, como os componentes são comandados, importância do uso do óleo correto, entre outros.

 

Desde 2019, mais da metade dos carros vendidos no Brasil possuem sistemas de transmissão com caixas de câmbio que permitem mudanças de marcha automáticas. Então, se você, amigo mecânico, ainda não teve a oportunidade de se atualizar, esta é uma boa hora para conhecer as características de funcionamento de um câmbio automático. Veículos manuais estão cada vez mais raros nas concessionárias e essa mudança na frota vai se refletir nos serviços que chegam até a sua oficina.

Porém, nesse montante de veículos vendidos, nem todos os câmbios “AT” possuem a mesma tecnologia: há o câmbio CVT, outros automatizados de dupla embreagem e o automático epicicloidal – estes, sim, o câmbio automático “clássico” presente há décadas no mercado, mas que agora atingiu um volume de vendas significativo como nunca em nossos país.

Para exemplificar o funcionamento de um câmbio automático epicicloidal, o instrutor técnico Paulo Stevanatto, do Centro de Treinamento Automotivo da Bosch localizado em Campinas/SP, usou como exemplo um câmbio em corte, permitindo a visualização de todos os detalhes que compõem o sistema. O modelo é o Mercedes-Benz NAG3 (9G-Tronic), que estreou no mercado em 2013 no sedã E 350 BlueTec (vendido na Europa) e é produzido pela própria empresa alemã.

câmbio automático

Este câmbio possui nove marchas à frente e uma à ré e é feito para suportar torque de até 700 Nm (71,4 kgfm). Desde então, foi utilizado em quase todas as linhas da Mercedes-Benz e também foi produzido pela JATCO sob o código JR913E para uso em veículos das marcas Nissan e Infiniti.

ACOPLAMENTO DO SISTEMA DE TRANSMISSÃO AO MOTOR

O conversor de torque é o responsável por transmitir a força do motor para o eixo do câmbio automático. Em determinadas situações, o conversor multiplica esse torque gerado para a transmissão, para que o veículo ganhe velocidade ou saia da inércia, e quando o veículo já está em movimento, o conjunto vai equalizar a rotação de saída do trem de força.

Quem transmite o movimento do motor ao conversor de torque é a sua carcaça (também chamada de caixa ou câmara), que fica presa ao disco metálico que faz as vezes de volante do motor (1). O acoplamento entre o eixo de entrada de força na carcaça e a saída pela turbina do conversor de torque não é mecânico, mas sim hidráulico.

câmbio automático

Dentro da carcaça, que fica cheia de óleo, existem duas hélices: uma na própria carcaça (entrada) e outra na turbina (saída) (2).

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Além disso, a carcaça é ligada a uma engrenagem com corrente (3) que propulsiona a bomba de óleo do câmbio (4).

câmbio automático

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Quando o motor começa a girar, a carcaça gira junto e também movimenta a bomba. A vazão de óleo gerada pela bomba entra na carcaça passando através de sua hélice, que, com esse movimento, impulsiona o fluxo de óleo sobre as aletas da hélice da turbina, gerando uma pressão que também a faz girar, movimentando também o rotor unidirecional ligado ao eixo de saída para o câmbio automático (5). Após passar pela turbina, o óleo vai para a caixa do câmbio, cai no cárter, volta à bomba, é impulsionado novamente para dentro da carcaça e assim sucessivamente.

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Para entender o conceito, Paulo Stevanatto dá o exemplo de dois ventiladores posicionados um contra o outro, enquanto um está ligado e outro não. “O ventilador ligado vai soprar o vento contra o que está parado. O fluxo de ar vai movimentar a hélice do ventilador desligado até chegar o momento em que as rotações de ambos quase se igualarão. O conversor de torque trabalha mais ou menos com esse princípio”, compara.

Quando o veículo está parado em marcha lenta, o rotor interno não gira, mas há pressão de óleo nele. Em situações de saída da inércia, o torque produzido pelo motor é transferido para o conversor. Mas como a demanda de força é alta nessa situação, o conversor atua como um multiplicador de torque, ou seja, ele aumenta o torque para que o sistema de transmissão tenha força suficiente para que o carro seja posto em movimento, explica o instrutor técnico da Bosch. “À medida que o veículo vai ganhando velocidade, a rotação interna da transmissão também aumenta. Pode chegar a momentos em que essa rotação do rotor da turbina se iguale ao rotor da carcaça”, descreve.

Outro recurso do câmbio automático é a embreagem lock-up, que atua nos momentos em que há pouca carga e o conjunto não precisa atuar multiplicando o torque – como, por exemplo, o veículo trafegando em velocidade de cruzeiro numa rodovia. Esse sistema é composto por um conjunto de discos (6) que, quando são pressionados por um pistão (comandado por uma eletroválvula), funcionam como uma embreagem, mesmo, e permitem o chamado “prize direto”: a saída de rotação do câmbio se torna a mesma do motor. A vantagem desse recurso é evitar perdas por deslizamento entre os elementos do conversor, evitar superaquecimento e reduzir o consumo de combustível.

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COMO SÃO FEITAS AS MARCHAS EM UM CÂMBIO AUTOMÁTICO?

Dentro do câmbio, há cubos dentados (7) com grupos de discos dentro e fora deles. Ao todo, neste câmbio Mercedes- -Benz NAG3, são seis grupos de discos (três de engate e três de frenagem) cuja combinação de acoplamentos faz a troca de uma marcha para outra.

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Cada uma das nove marchas à frente é composta pela combinação de pelo menos três grupos de discos acionados (8). Estes acionamentos são feitos por pistões hidráulicos comandados pelo corpo de válvulas, como veremos mais tarde.

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Neste câmbio, a transmissão de rotação para o eixo de saída da transmissão é feita por quatro grupos de engrenagens epicicloidais (daí o nome deste tipo de câmbio) que estão dentro dos cubos (9). Cada grupo de engrenagem é composto por um anel anular, engrenagens satélites e uma engrenagem solar.

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“Essas engrenagens proporcionam rotacionar os cubos ligados a um único eixo em rotações diferentes. Graças a esse sistema epicicloidal, é possível travar determinados grupos de discos e continuar transmitindo rotação para os demais até que se tenha uma rotação de saída para o diferencial”, explica Paulo. Por sua vez, a marcha à ré é feita com um cubo específico que, por fora, possui uma pista lisa e uma cinta interna (10) que freia o cubo para que seu conjunto epicicloidal inverta o sentido do eixo de saída, compondo assim a ré.

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O instrutor técnico da Bosch complementa observando que o câmbio NAG3 é projetado para trens de força longitudinais e tração nas rodas traseiras, por isso não possui diferencial integrado. Ele também aponta que o número de grupos de discos, cubos e engrenagens varia de acordo com o número de marchas e o projeto de cada caixa de câmbio.

Já o modo “P” (parking) é um bloqueio mecânico de segurança para garantir a imobilização do veículo quando estacionado em um declive, por exemplo. Quando o câmbio é compacto, a trava do “P” vai direto no chamado berço do diferencial, onde está a coroa que vai transmitir rotação para as rodas. No caso do câmbio NAG3, a trava fica na saída para o eixo cardã (11).

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COMPOSIÇÃO DOS DISCOS E IMPORTÂNCIA DO ÓLEO

Cada disco é um anel de aço cuja superfície recebe uma camada de um material chamado composite (12). “Esse material é extremamente sensível à água”, alerta o instrutor técnico da Bosch. “Se entrar água no câmbio, vai contaminar o óleo e destruir o material de fricção dos discos. Por isso a vedação total da caixa é muito importante”, aponta, ressaltando a importância da vedação do respiro da caixa (13).

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“Se o proprietário do veículo disser que sente as marchas patinando como se houvesse uma embreagem patinando, sim, é isso mesmo. Se o disco perde material de atrito (14), ele não tem mais a aderência e, na hora que a pressão hidráulica for atuada sobre os pistões que vão travar esses discos, não haverá mais a transmissão de força para as rodas. É como se a embreagem realmente patinasse”, descreve Paulo.

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Por isso, além da estanqueidade do câmbio para não haver contaminação por água, é importante a aplicação do óleo correto, inspeção e substituição conforme determinado pela fabricante do veículo. “Cada veículo tem uma especificação diferente de troca. E cada transmissão tem um óleo adequado com suas características, assim como o óleo de motor. Cada caixa é abastecida com um óleo diferente conforme suas necessidades”, comenta o especialista da Bosch.

Tão importante quanto a qualidade do fluido do câmbio é manter o seu filtro em dia. Paulo mostra o ponto de sucção da bomba onde, no câmbio em uso, fica acoplado o filtro de óleo (15). “É um filtro peneira para que a bomba não aspire impurezas que possam vir do desgaste dos discos ou das engrenagens. Qualquer sujeira que passe pela bomba e entre no corpo de válvulas vai travar alguma válvula e comprometer todo o funcionamento do câmbio”, alerta Paulo. Na eventualidade da substituição do óleo, o filtro também deve ser trocado obrigatoriamente.

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SISTEMA DE GERENCIAMENTO DA TRANSMISSÃO

Toda a atuação de discos, cubos, conversor e fluxo de óleo é coordenada pelo corpo de válvulas do câmbio (16). Conforme o comando enviado pela unidade de gerenciamento eletrônico (ECU) da transmissão, o corpo de válvulas controla o fluxo e a pressão de óleo para engatar a marcha adequada para o deslocamento do veículo, como explica Paulo Stevanatto.

Segundo o instrutor técnico, a ECU da transmissão (que pode ser um módulo exclusivo ou um programa dentro da ECU do motor) faz a seleção de marchas de acordo com o sinal da rotação do motor, da velocidade do veículo e seleção de torque através da demanda do pedal do acelerador.

“Ao pisar no acelerador e solicitar torque do motor, essa informação vai para a ECU do motor, que vai atender à solicitação abrindo a borboleta, injetando mais combustível e avançando o ponto de ignição. Mas para que esse torque chegue até as rodas, é necessário passar pelo sistema de transmissão. Então essa informação também é enviada à ECU da transmissão que vai verificar a rotação de saída do câmbio, ou a velocidade das rodas, e vai aplicar a marcha mais adequada”, descreve o instrutor técnico da Bosch.

É através dessa lógica que o câmbio automático “entende” que deve reduzir marchas em situações de retomada de velocidade para fazer uma ultrapassagem em rodovia, por exemplo, ou se manter em uma marcha de relação mais longa quando o veículo permanece em velocidade de cruzeiro com pouca demanda no acelerador. Já em uso sob trânsito pesado ou relevo acentuado em velocidades urbanas, na opinião de Paulo, o ideal é manter o câmbio nos modos de seleção “3”, “2” ou “1”, quando houver. Isso vai fazer com que apenas as marchas mais curtas sejam acionadas.

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“Quando a alavanca está em ‘D’ (drive), você está dizendo ao sistema de transmissão que você quer utilizar todas as marchas. No trânsito urbano isso não é legal, porque o câmbio vai tentar subir as marchas para tentar atingir a rotação ideal de trabalho do motor, que muitas vezes não é tão elevada. Só que isso pode forçar demais o câmbio, provocando um desgaste prematuro, superaquecimento interno e redução da vida útil de todos os componentes”, aponta o especialista. Neste ponto, consulte o manual do veículo para entender as melhores condições de utilização destes modos.

O corpo de válvulas é o coração do câmbio automático: um conjunto de válvulas de esfera e solenoides eletromagnéticos em um bloco de alumínio com canais internos de óleo que se assemelham a um labirinto (17).

Os solenoides (18) são os componentes que recebem o sinal (PWM) da ECU da transmissão para atuar nas válvulas necessárias e mover as hastes (ou “spools”) (19) para desviar o fluxo de óleo pelas galerias do bloco em direção os pistões que aplicam a pressão nos discos.

câmbio automático

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Por exemplo, quando o comando é para mudar da segunda para a terceira marcha, é necessário desacoplar um conjunto de discos e acoplar outro. Então, ao receber o sinal, os solenoides movem as hastes para tirar a pressão hidráulica dos discos da segunda marcha e direcionar essa pressão para os conjuntos da terceira marcha. Para desacoplar os discos da segunda marcha, existem molas de recuperação nos pistões para devolver o óleo ao cárter. Quando a pressão de óleo cessa, essas molas vencem a resistência e empurram o pistão na direção contrária jogando o óleo para fora, liberando os discos.

Além dos solenoides de engate das marchas, também há o do engate da embreagem lock-up, o do engate do “P” e, no caso da transmissão NAG3, duas válvulas de alívio de sobrepressão no bloco (20) e (21).

câmbio automático

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O instrutor técnico da Bosch adverte que toda manutenção no câmbio deve contar com uma intervenção no bloco hidráulico. “Toda vez que se desmonta a transmissão é necessário desmontar esse conjunto de válvulas, retirar as esferas de vedação e molas, e fazer a limpeza desse conjunto todo, tirar todas as impurezas. Isso porque as folgas no bloco são mínimas. Qualquer sujeira que ficar aqui dentro vai comprometer o funcionamento da transmissão”, adverte Paulo.

Também por baixo da transmissão é possível ver duas conexões de engate rápido do resfriador de óleo de câmbio (22), que neste caso é semelhante a um radiador externo, pelo qual passa somente o fluido da transmissão (23). Outras transmissões possuem um trocador de calor compacto ligado ao sistema de arrefecimento do motor.

câmbio automático

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“A temperatura do óleo precisa ser muito bem controlada porque pode alterar sua viscosidade e fluidez e pode comprometer a aplicação das embreagens”, declara Paulo. “Se a temperatura do óleo estiver muito elevada, ele fica menos viscoso, ou seja, mais fluido, e se desloca com maior facilidade. Isso pode fazer com que a pressão de trabalho seja alterada e afete o deslocamento dos êmbolos dos pistões, levando a trancos ou a não engatar as marchas apropriadamente”, finaliza o instrutor técnico da Bosch.

Mais informações
Bosch: boschtreinamentoautomotivo.com.br

 

Texto & fotos Fernando Lalli



 

Conheça mais sobre a tecnologia de outros sistemas automáticos de transmissão que estão cada vez mais presentes em nosso mercado e que já são realidade nas oficinas de todo o Brasil:

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