Veja na segunda parte desta reportagem sobre o motor Renault B4D LS presente no subcompacto Kwid quais são as diferenças técnicas dele para o B4D HS que está nos modelos Sandero e Logan
texto Vitor Lima fotos Fernando Lalli
Após a desmontagem do motor Renault B4D LS, que está presente no Renault Kwid, conforme demonstrado na edição nº344 (dez/2022) da Revista O Mecânico, vamos mostrar na segunda parte da reportagem suas principais diferenças mecânicas conceituais em relação ao motor B4D HS, que está presente nos modelos Sandero e Logan. Em termos técnicos, os dois motores são da mesma família BR10DE Renault, com três cilindros, 12 válvulas, duplo comando de válvulas (DOHC) e bloco em alumínio. Mas ambos possuem nomenclaturas, especificações e construções diferentes.
A principal diferença entre os dois motores é a presença de variação de fase nos dois eixos comandos de válvulas do B4D HS, que comercialmente possui o nome SCe 1.0. Este motor está presente no Sandero e Logan e possui o código BR10DE HighSpec Flex Fuel X52. A potência declarada pela Renault é de 82/79 cv (E/G) aos 6.500 rpm e torque de 10,5/10,2 kgfm a 3.500 rpm. Sua taxa de compressão é de 12:1 e a relação diâmetro x curso de seus pistões é de 71 x 84,1 mm.
Já o motor presente no Renault Kwid, o B4D LS, possui nomenclatura BR10DE LowSpec Flex Fuel XBB. Projetado especificamente para o subcompacto, tem duas especificações de potência. Entre 2017 e 2022, as unidades desenvolviam 70/66 cv a 5.500 rpm e 9,8/9,4 kgfm a 4.250 rpm.
Com o conjunto de normas de emissões do Pro conve L7 que entraram em vigor em 2022, a Renault precisou realizar uma alteração no motor para atender as normas vigentes. “Alterações que não são na construção do motor, a construção é a mesma, mas algumas alterações para atender as normas de emissões LEV7”, explica o instrutor da Renault Academy Brasil, Ricardo Ribeiro.
A partir do ano/modelo 2022/2023, graças à recalibração, o motor LS passou a gerar potência de 71/68 cv e torque de 10,0/9,4 kgfm. Sua taxa de compressão é 11,5:1 em ambas as configurações, embora possua a mesma relação diâmetro x curso de pistões da variante HS.
Vale ressaltar que o Kwid também tem um câmbio manual especificamente dimensionado para ele, o SG1, enquanto Sandero e Logan compartilham a caixa JHQ (capaz de suportar maior torque) com outros modelos da linha Renault.
Principal diferença mecânica entre os dois motores é o sistema de variação de fase em ambos os eixos comandos de válvulas do motor B4D HS de Sandero e Logan (acima); no LS (Kwid), a fase é fixa
O lubrificante homologado no Brasil para uso em ambos os motores é o de viscosidade SAE 10W-40 com classificação de desempenho ACEA A3/B4 e/ou que atenda à norma Renault RN0700. Atualmente, o óleo do primeiro enchimento na fábrica é fornecido pela Castrol, enquanto o disponível no varejo pela Motrio (marca da Renault para componentes no mercado de reposição) é produzido pela Iconic Lubrificantes (Havoline).
Uma semelhança entre os dois motores é a ordem de ignição 1-2-3. O primeiro cilindro destes motores é contado a partir do lado mais próximo da distribuição, diferentes do convencional entre as linhas francesas que geralmente contam o primeiro cilindro sendo o mais próximo do lado do volante do motor.
DIFERENÇAS MECÂNICAS EM DETALHES
A primeira diferença conceitual é no sistema de sincronismo. As polias de acionamento do eixo comando de válvulas do motor B4D HS são variáveis (1), o que possibilita adiantar ou atrasar o tempo de abertura das válvulas tanto para admissão quanto para exaustão. Já o motor B4D LS não possui polias variáveis nos comandos de válvulas (2), dessa maneira, a fase das válvulas é fixa.
A corrente de sincronismo do motor HS se assemelha com uma corrente de moto convencional (3), possuindo design construtivo parecido na junção dos elos e conexão com os dentes das engrenagens do comando de válvulas.
O sincronismo do motor LS possui corrente com características de construção diferente, para que ela proporcione menor nível de ruído em conjunto com os dentes da engrenagem do comando de válvulas (4).
Lado a lado é perceptível a diferença entre as duas correntes de sincronismo. Desta maneira, é possível entender que não há intercambialidade entre esses componentes. Do lado esquerdo está a corrente de sincronismo silenciosa, destinada ao motor B4D LS e do lado direito, a corrente do motor B4D HS (5). Ambas possuem suas marcações em alguns elos da corrente para que seja feita a montagem correta e o motor esteja em sincronismo.
Os apoios das correntes também possuem diferenças construtivas do motor B4D HS (6) para o motor B4D LS (7). Os apoios do motor LS são maiores do que os do motor HS e os materiais plásticos em conjunto com o design dos apoios são diferentes.
A engrenagem de acionamento do virabrequim do motor B4D HS possui 4 chanfros (8) e coroa diferentes para engrenagem do motor B4D LS, este que possui apenas 2 chanfros (9) e coroa para conexão com a corrente. O perfil dos chanfros de cada polia permite o correto encaixe para o acionamento da bomba de óleo, que fica montada na tampa do sincronismo, como veremos mais tarde.
No que diz respeito à lubrificação da corrente de sincronismo, o motor B4D HS possui um injetor de óleo pequeno (10) que está fixado no bloco do motor e apontado para a corrente. Esse injetor de óleo trabalha em conjunto com o sistema de lubrificação, pois está ligado no mesmo circuito, auxiliando na lubrificação da corrente. A variante LS não possui este injetor.
Vale ressaltar a importância do óleo que deve ser utilizado seguindo as recomendações do fabricante, as especificações de classificação SAE de viscosidade e as normas necessárias para atender as exigências da fabricante do motor.
A capacidade máxima de óleo permitida pelo cárter do motor HS é de 3 litros. Para o motor LS, a capacidade é maior: 3,4 litros. Ambos, sem contar com o filtro de óleo.
Sobre o consumo de óleo, a Renault admite no máximo 0,5 litros a cada 1 mil quilômetros. Porém, mesmo um consumo constante nesta faixa limite denota anomalia de funcionamento de deve ser diagnosticada.
As tampas de sincronismo também são diferentes (11). Em ambos os casos, a bomba de óleo é fixada à tampa e não há intercambialidade. O motor HS tem duas eletroválvulas em suas extremidades que fazem o controle da passagem do óleo por dois chanfros (12). Esses chanfros estão no nível das polias do comando de válvulas, tendo a função de realizar o adiantamento ou atraso dos dois comandos.
É possível perceber a diferença nos encaixes das polias de acionamento da bomba de óleo entre as duas peças. O motor HS possui encaixe com perfil quadrado, para os quatro chanfros (13), e o motor LS dispõe de encaixe com apenas duas faces retas do componente (14), uma vez que a polia tem apenas dois chanfros.
A bomba de óleo do motor HS possui uma válvula termostática que tem a função de acionar a variação da pressão do óleo por meio da temperatura. Nesse caso, quando o motor está sendo menos exigido, em marcha lenta por exemplo, há menor impacto da bomba de óleo na movimentação do conjunto do motor (15).
Ricardo Ribeiro explica o funcionamento desse sistema. “No motor HS tem a variação do volume/pressão de bomba de óleo. Em certos momentos a bomba de óleo não é necessária em plena carga para mandar toda a vazão para o motor. Em marcha lenta não precisa de toda a potência que ela emite. Então ela trabalha a partir de uma válvula termostática para diminuir essa pressão e essa vazão e não ‘pesar’ tanto o motor. Desta maneira ela ‘devolve’ de certa forma aquela potência que a bomba ‘rouba’”, conclui. O especialista comenta que essa válvula termostática não possui nenhum tipo de pilotagem eletrônica.
Caso ocorra algum tipo de travamento dessa válvula termostática do óleo do motor HS, ela não travará fechada, mas sim, aberta, com o maior nível de vazão. Se ocorrer algum problema que haja necessidade da substituição do componente, não é possível substituir apenas a válvula termostática, pois, segundo o instrutor da Renault Academy Brasil, não há reparo para este componente. Assim, é necessária a substituição da tampa frontal por completo.
No motor LS (Kwid), não existe tal sistema para a bomba de óleo. Desta forma, sua pressão se mantém fixa (16). Em caso do motor B4D LS perder pressão de óleo enquanto estiver em funcionamento, o motor para de funcionar automaticamente por causa de uma estratégia do calculador de injeção, para evitar quaisquer tipos de dano que o motor possa sofrer.
ALTERAÇÕES NO CABEÇOTE
Partindo para as tampas plásticas do cabeçote, a primeira diferença é a abertura na lateral da tampa, destinada às polias do eixo de comando variável existentes no motor HS (17). Este motor possui dois sensores de fase, o primeiro para o comando de admissão (18) e o segundo que é destinado ao comando de escape (19).
Vale lembrar que uma vez retirada, a tampa plástica do cabeçote precisa ser substituída, pois a tampa é vedada por meio de junta líquida. Para desmontagem da tampa há necessidade da utilização de ferramenta especial para que realize um corte nessa camada de cola. Com isso, a Renault não garante que após uma remoção a face de assentamento do cabeçote com a tampa não sofra nenhum tipo de deformação.
Na tampa de válvulas do motor LS, como as polias para o eixo comando de válvulas não são variáveis e possuem espessura menor, a tampa não possui a abertura como o motor HS e a lateral é fechada (20). A tampa tem apenas o sensor de fase do motor, que é destinado ao comando de escape (21).
Os cabeçotes entre os motores são diferentes e ambos possuem uma tolerância máxima para retirada de material. Para os dois motores a deformação máxima permitida do plano de junta é de 0,03 mm. A altura mínima permitida pelos dois motores deve ser de 93,03 mm.
BLOCO, PERIFÉRICOS E IMPOSSIBILIDADE DE RETÍFICA
Outro componente que possui diferença é o coletor de escape de cada motor. Para o coletor do HS há integração com o cabeçote do motor (22), sendo o encaixe do catalisador fixado diretamente no cabeçote (23). “Isso ajuda a melhorar o fluxo para os gases escoarem do motor”, explica Ricardo Ribeiro.
Já o coletor de escape do motor LS é um componente único com o catalisador (24) e não é integrado no cabeçote do motor como no motor HS. A fixação para o motor LS é facilmente distinta do HS, possuindo quatro parafusos prisioneiros, além da necessidade de utilização de uma junta de fixação para instalação do coletor no motor (25).
Para ajudar no arrefecimento do óleo do motor HS, há um trocador de calor que fica na lateral do motor (26). Esse trocador de calor utiliza o fluido de arrefecimento para ajudar nessa troca de temperatura. O motor LS não possui o trocador de calor.
O período de substituição do líquido de arrefecimento em ambos os casos é a cada 80 mil km ou 4 anos, o que ocorrer primeiro.
Apesar dos pistões possuírem diâmetros próximos, os componentes não são intercambiáveis. Para o motor B4D HS, os pistões estão entre 70,933 mm e 70,947 mm, enquanto a medida dos pistões do B4D LS é de 70,958 mm (+/- 0,009 mm). Não existe sobremedida de pistões prevista pela fabricante do motor (27).
Por causa da construção do motor B4D LS, não há possibilidade de retificar as camisas dos pistões, pois, o bloco e os cilindros são usinados de maneira conjunta, sem “encamisamento”. Além disso, há uma camada de um material chamado DLC (“diamond like carbon”) (28) nas camisas dos pistões que não pode ser “reposto” se for removido com o desbaste do torno. “DLC é um tratamento para deixar a peça com maior dureza e menos atrito”, explica Ricardo. Segundo o instrutor da Renault, quando o mecânico tenta realizar a retifica nesse motor, na verdade ele está alterando as propriedades do material e o motor não vai funcionar da mesma forma.
As referências de bielas e virabrequim (29) também mudam entre os motores HS e LS e, em ambos os casos, também não há sobremedidas previstas pela Renault para retífica.
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