Dúvida sobre intercambialidade na especificação do grau de serviço para lubrificantes de câmbio manual gera dúvida no mercado
artigo por Fernando Landulfo
Qual a especificação do lubrificante a ser utilizado nas transmissões manuais: API GL-4 ou GL-5? Já faz algum tempo que esta pergunta vem pipocando não só nas páginas e canais da Internet, como no chão de oficina, rodas de conversa de mecânicos, lubrificadores profissionais, entusiastas, fabricantes e/ou distribuidores de peças e lubrificantes e outros profissionais ligados, de alguma forma ao setor automotivo. E o resultado é sempre o mesmo: conclusões baseadas em achismo e/ou resultados de experiências feitas sem a aplicação de metodologia científica e/ou sem qualquer embasamento em referências bibliográficas (livros, artigos científicos, anais de congressos, normas técnicas etc.).
Isso sem falar nas ocasiões onde até mesmo as recomendações de lubrificantes, feitas pelas montadoras, são postas em “xeque”.
Pois bem, é hora de colocar tudo isso em pratos limpos, de uma vez por todas. E para isso vamos tomar como base, nada mais nada menos, do que os principais documentos técnicos da American Petroleum Institute (API) e American Society for Testing and Materials (ASTM), que tratam dessas 2 classes de lubrificantes para engrenagens, além de outras referências auxiliares.
Nesse ponto, é de suma importância citar que, atualmente, há uma outra classificação de desempenho de lubrificantes para engrenagens automotivas.
Elaborada pela Society of Automotive Engineers (SAE) é denominada: Especificação SAE J 2360 e será tratada com mais detalhes em outra ocasião.
No entanto, vale a pena citar que, de acordo com a norma API 1560, os lubrificantes aprovados pela especificação SAE J 2360, não só atendem, como superam os requisitos de classificação da categoria API GL-5. E a razão é muito simples. A especificação SAE J 2360 é mais abrangente.
Por exemplo: requisitos que dizem respeito a compatibilidade com elastômeros e limpeza das engrenagens após oxidação, não constam da classificação API GL-5. No entanto, são abordados na SAE J 2360.
No gráfico (abaixo), Cesário Neto (2021) especifica alguns desses requisitos, que são abordados na SAE J 2360 e não na API GL-5.
Mas é preciso tomar cuidado e NÃO se deixar levar pelo impulso. O fato de um lubrificante para engrenagens qualquer, de mesma classificação de viscosidade SAE que um recomendado pelo fabricante da caixa de engrenagens, ser classificado como SAE J2360, NÃO implica que o mesmo automaticamente possa substituir um lubrificante recomendado das categorias API GL-4 ou API GL-5.
Apesar da categoria de desempenho superior, este lubrificante “mais moderno” PODE (não é uma obrigação, mas sim uma possibilidade que não deve ser descartada) conter na sua formulação aditivos que prejudiquem certos componentes da caixa de engrenagens, ou mesmo, não conter os necessários à sua inteira proteção. Uma substituição aleatória, apesar de não formalmente (publicada) proibida, envolve riscos. A certeza de qual produto pode substituir, reside unicamente na recomendação do fabricante do veículo ou do componente.
CLASSIFICAÇÃO API GL-4
A classificação API GL-4 era obtida a partir de testes normalizados em laboratório. O procedimento ASTM STP 512-EB1 define quais testes e por quais nomas especificas da ASTM, os mesmos deveriam ser realizados para se obter a qualificação.
Em tempo, é importante citar que, apesar da classificação GL-4 ainda permanecer ativa, a introdução do procedimento ASTM STP 512A-EB (substitui STP 512-EB) deixa claro que a API a considera obsoleta. Obsolescência essa devido a não mais disponibilidade de equipamentos de teste que definem esse tipo de serviço e o não desenvolvimento de equipamentos alternativos. E por essas razões, nos dias atuais, apenas a categoria GL-5 pode ser completamente definida.
Posicionamento esse que endossa a afirmação feita pela revista especializada “Lubes em Foco” sobre o assunto.
Por sua vez, a designação API 1560 define os lubrificantes dessa classe como sendo lubrificantes destinados a eixos com engrenagens cônicas em espiral, operando sob condições de moderadas a severas de velocidade e carga e em eixos com engrenagens hipóides operando sob condições moderadas de velocidade e carga. Eixos equipados com diferenciais de deslizamento limitado, têm requisitos de fricção adicionais que normalmente são definidos pelo fabricante do eixo.¹ (Nosso negrito).
Ou seja, a princípio, este seria um lubrificante destinado a lubrificar apenas diferenciais.
No entanto, segundo essa mesma designação, os óleos API GL-4 podem ser usados em aplicações selecionadas de transmissão manual, onde os lubrificantes classificados como API MT-1² são inadequados. Em todos os casos, as recomendações específicas de qualidade do lubrificante do fabricante do equipamento devem ser seguidas.³ (Nosso negrito).
Ou seja, de acordo com esse mesmo documento técnico, fica bem claro que o fato de um lubrificante para engrenagens ser classificado como API GL-4 não o habilita, automaticamente, a ser aplicado em todas as transmissões manuais.
É preciso ter em mente que produtos com formulações diferentes e consequentemete características específicas diferentes, podem receber essa mesma classificação. Pois a classificação, feita mediante normas técnicas, se limita a verificar alguns critérios e características. Não todas.
É imperativo que o produto a ser plicado seja homologado pelo fabricante da transmissão. Transmissões com projetos diferentes e aplicações diferentes, exigem lubrificantes com características específicas, que vão além daquelas abrangidas pela classificação API.
CLASSIFICAÇÃO API GL-5
É obtida a partir de testes normalizados em laboratório. O procedimento ASTM STP 512A-EB define quais testes e por quais nomas especificas da ASTM, os mesmos devem ser realizados, para se obter a qualificação. Testes esses cujos parâmetros de aprovação se encontram na norma ASTM D7450-19.
Entre eles, pode-se citar o teste de corrosão sobre o cobre (ASTM D130), elemento químico que compõe as ligas de latão e bronze, usualmente utilizadas nos elementos sincronizadores.
Nesse ponto é interessante citar que a norma ASTM D7450-19 faz diferenciação entre lubrificantes monoviscosos e multiviscosos.
Já a designação API 1560 define os lubrificantes dessa classe como sendo lubrificantes destinados a engrenagens, especialmente as hipóides, operando em eixos sob várias combinações de alta velocidade/carga e choque, e condições de baixa velocidade/alto torque. As especificações de desempenho são definidas na versão mais recente da norma ASTM D7450. Requisitos friccionais para os eixos equipados com diferenciais autoblocantes são normalmente definidos pelo fabricante do eixo.¹ (Nosso negrito).
Ou seja, assim como ocorreu com os lubrificantes classificados como API GL-4, a princípio, os que se enquadram na categoria GL-5 seriam destinados apenas lubrificar apenas diferenciais.
No entanto, o escopo da norma AST D 7450-19 afirma que os lubrificantes classificados na categoria GL-5 são tipicamente (normalmente) utilizados em eixos automotivos. Afirmação essa que descarta a sua proibição em caixas de mudança manuais.
Isso sem falar que alguns testes que a mesma preconiza, são direcionados a transmissões manuais (D 5704: Standard Test Method for Evaluation of the Thermal and Oxidative Stability of Lubricating Oils Used for Manual Transmissions and Final Drive Axles) e engrenagens automotivas de um modo geral (D 7038: Standard Test Method for Evaluation of Moisture Corrosion Resistance of Automotive Gear Lubricant).
Além disso, há aplicações de API GL-5 e/ou substituições já feitas por montadoras.
Como exemplo, pode-se citar o lubrificante SAE 80W, API GL-5 recomendado pela Ford (Lubcraft B-OT6) para a caixa de mudanças do Escort geração MK4.
Ou seja: não há qualquer documento técnico publicado que, efetivamente, proíba a utilização de um lubrificante classe GL-5 em uma transmissão manual.
No entanto, é preciso ter muito cuidado, no que diz respeito a aplicar lubrificantes classe GL-5 em substituição aos de classe GL-4. Como anteriormente citado, NÃO se de se deixar levar pelo impulso. Pois “nem tudo o que não é proibido é automaticamente permitido”.
O fato de um lubrificante para engrenagens qualquer, de mesma classificação de viscosidade SAE que um recomendado pelo fabricante da caixa de engrenagens, ser classificado como GL-5, NÃO implica que o mesmo automaticamente possa substituir um lubrificante recomendado das categorias API GL4.
Apesar da categoria de desempenho superior, este lubrificante “mais moderno” PODE (não é uma obrigação, mas sim uma possibilidade que não deve ser descartada) conter na sua formulação aditivos que prejudiquem certos componentes da caixa de engrenagens, ou mesmo, não conter os necessários à sua inteira proteção. Uma substituição aleatória, apesar de não formalmente (publicada) proibida, envolve riscos.
E nesse ponto, torna-se obrigatório citar o trabalho de Lobo (2016), que deixa bem claro quais são os riscos à vida útil dos conjuntos sincronizadores, quando se utiliza um lubrificante de classe GL-5, formulado com uma quantidade maior de aditivos de extrema pressão a base de fósforo e enxofre.
Ou seja, mais uma vez, a certeza de qual produto pode ser utilizado, reside unicamente na recomendação do fabricante do veículo ou do componente. E por essa razão devemos sempre dar preferência aos produtos recomendados pelos fabricantes dos veículos e/ou componentes. Pois o barato pode acabar saindo muito caro.
¹ Publicado em 1972 e já substituído pelo documento ASTM STP 512A-EB.
² De acordo com a designação API 1560: lubriicante para transmissões manuais pesadas não sincronizadas.
³ Tradução livre.
REFERÊNCIAS:
API. Lubricant Service Designations for Automotive Manual Transmissions, Manual Transaxles, and Axles. 8th edition. API 1560. Washington, DC: API, 2013.
ASTM. Standard Specification for Performance of Rear Axle Gear Lubricants Intended for API Category GL-5 Service. ASTM D7450-19. W Conshohocken, PA: ASTM, 2019.
ASTM. Laboratory Performance Tests for Automotive Gear Lubricants intended for API GL-4, GL-5, and GL-6 services. ASTM STP 512. Alpha, NY: ASTM, 1972.
ASTM. Laboratory Performance Tests for Automotive Gear Lubricants intended for GL-5 service. ASTM STP 512A. W Conshohocken, PA: ASTM, 1991.
CESARIO NETO, José. Lubrificante Automotivo. MPLUB Distribuidora. Disponível em: <site.mplub.com.br/post/correio_tecnico/classificação_api_oleos_lubrificantes_>. Acesso em: 12/01/2023.
FORD DO BRASIL SA. Escort Manual do Proprietário. 88AU-0000-AA. São Bernardo do Campo: Ford, 1988. Disponível em: < https://ift.tt/iyYp0tR. br/ec/downloads/manuais/mk4/MK4_Ed88.pdf>. Acesso em 12/01/2023.
LOBO, Marcos Thadeu. Cuidado com o óleo da transmissão manual. Portal Lubes. 2016. Disponível em: < https://ift.tt/HePGKOx>. Acesso em: 12/01/2022.
REVISTA LUBES EM FOCO. API quer tornar obsoleta a especificação GL-4. Disponível em: < https://ift.tt/rm4YZtf>. Acesso em 12/01/2023.
The post Artigo | API GL-4 ou GL-5: Qual óleo usar no câmbio manual? appeared first on Revista O Mecânico.
Artigo | API GL-4 ou GL-5: Qual óleo usar no câmbio manual? Publicado primeiro em http://omecanico.com.br/feed/
Nenhum comentário:
Postar um comentário