sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Entrevista: Quebrar barreiras para empreender

Agda Oliver

Após passar por experiências desagradáveis como cliente de oficinas, Agda Oliver decidiu estudar tudo sobre mecânica de automóveis para evitar pagar por serviços desnecessários na hora da manutenção de seu próprio veículo.

Ao perceber que havia demanda por um ambiente mais amigável para mulheres, Agda decidiu criar a própria oficina. Fundada em 2010, na região de Ceilândia/DF, a Meu Mecânico foi intitulada pela empresária como “a primeira mecânica para mulheres do Brasil”.

O negócio de Agda deu certo e recebeu o reconhecimento por meio de três premiações do Sebrae voltadas a empreendedores de destaque no Brasil. Este ano, uma década após a criação da Meu Mecânico, Agda é finalista de um prêmio da ONU para mulheres empreendedoras, com cerimônia de premiação prevista para dezembro, em Abu Dhabi. Nesta entrevista, Oliver aborda os desafios de gerir uma oficina, como manter a equipe atualizada e o fluxo de caixa em dia.

REVISTA O MECÂNICO: De onde surgiu a ideia de criar uma oficina mecânica?

AGDA OLIVER: Depois de passar pelo transtorno de pagar por peças que não foram trocadas e por serviços que não foram realizados no meu carro, resolvi estudar para entender um pouco mais sobre o universo e o que deveria ser feito nas revisões. Paralelo a isso, eu já tinha a intenção de empreender, só não sabia em qual área. Após estudar, pesquisar e conversar com outras mulheres, entendi que existia demanda, mas não havia oferta para o público feminino em oficinas. E assim surgiu a ideia (lá no ano de 2008), e em 2010 eu abri a Meu Mecânico – a oficina mecânica da mulher. A 1ª mecânica para mulheres do Brasil.

Existia demanda, mas não havia oferta para o público feminino em oficinas

O MECÂNICO: Qual tipo de formação você procurou para se especializar no ramo automobilístico?

OLIVER: Me formei no SENAI, no curso de mecânica para sistema de injeção eletrônica.

O MECÂNICO: Quais os desafios de gerenciar uma oficina?

OLIVER: O primeiro foi encontrar pessoas que acreditassem no meu projeto e que trabalhassem com o mesmo ideal, de transparência, compromisso e ética. E também encontrar mulheres mecânicas, o que tenho dificuldade até hoje. Tenho apenas uma mulher mecânica na minha empresa, que eu acreditei, formei, paguei cursos e dei a oportunidade para ela se tornar uma mecânica, mesmo sem nenhuma experiência.

O MECÂNICO: E em relação ao preconceito por ser uma mulher em um ambiente ainda predominantemente masculino? Como o público encara uma oficina gerida e com mecânicas mulheres?

OLIVER: Existe ainda muito preconceito e muitas conversas paralelas de clientes, que dizem que não somos capazes. Há ainda aquelas empresas concorrentes que também não acreditam em nosso potencial e tentam manchar a nossa imagem, dizendo que mulher e oficina nunca vão combinar. O público, na sua maioria, admira nosso trabalho e respeita nossa profissão.

Agda Oliver

O MECÂNICO: Quais estratégias você utiliza para fidelizar os clientes?

OLIVER: Criei a estratégia de ter mulheres trabalhando na oficina para tornar o ambiente mais harmonioso, mais feminino, com segurança e tranquilidade para nossas clientes virem conversar e tirar suas dúvidas. Nossa transparência vai desde o orçamento bem detalhado, impresso e com valores descritos item a item, até a entrega do veículo mostrando tudo o que foi trocado e devolvendo todas as peças antigas ao cliente. Nosso pós-venda é um aliado na fidelidade, uma vez que criamos um relacionamento próximo ao cliente, mandando dicas de cuidados semanais com o carro. Temos um programa de fidelidade de troca de óleo, que nos ajuda a manter um diálogo com o cliente e fazendo com que ele sempre troque o óleo conosco, nos ajudando a fazer a revisão completa do veículo.

Manter o capital de giro é fundamental para a sobrevivência de qualquer empresa

O MECÂNICO: A cada dia novas tecnologias surgem nos automóveis e no segmento de manutenção. Como você procura se manter atualizada? E o treinamento da sua equipe, como é feito?

OLIVER: Fazemos cursos online, assistimos a palestras e estamos sempre trazendo fornecedores para dar treinamentos em nossa empresa, garantindo que a atualização do mercado seja a nossa aliada.

O MECÂNICO: Qual dica você daria para outros donos de oficina em relação a cuidados na gestão, como manter um capital de giro, por exemplo?

OLIVER: Deve-se ter um controle financeiro muito delicado, fazendo o fluxo de caixa diariamente e tomando decisões em cima dos números. Nosso lucro não é só na venda, mas também no momento de compra. Ter uma pessoa na empresa que consiga administrar o financeiro é essencial. Manter o capital de giro é fundamental para a sobrevivência de qualquer empresa, seja ela de pequeno, médio ou grande porte. Não se deve deixar o financeiro para depois, pois é ele quem vai determinar o sucesso ou o fracasso da sua empresa. O Sebrae oferece vários cursos que podem auxiliar o pequeno empreendedor. Eu ofereço um curso que abrange bem essa área, chamado de “ECAF” (“Empreendendo com a Agda no Financeiro”).

Agda Oliver

O MECÂNICO: Como o seu projeto chegou entre os finalistas da premiação da Organização das Nações Unidas (ONU) para mulheres empreendedoras?

OLIVER: Fui selecionada dentro de um universo formado por cerca de 40 empreendedoras de todo o Brasil. Minha trajetória no empreendedorismo foi inicialmente encaminhada pelo Sebrae no Distrito Federal à unidade nacional, que me selecionou junto a outras cinco mulheres dos estados de Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro e Tocantins. Os nomes foram repassados para a Unctad (sigla em inglês para Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e um grupo de especialistas técnicos analisou e escolheu quais seriam as dez finalistas dessa nova edição do prêmio. Essa etapa contou com a presença de dezenas de mulheres de 40 países que, assim como o Brasil, são beneficiados pela realização do Empretec (metodologia chancelada pela Organização das Nações Unidas e executada no Brasil pelo Sebrae).

O MECÂNICO: Como está sendo enfrentar o período da pandemia da Covid-19? A demanda por serviços de manutenção caiu, se manteve estável ou aumentou?

OLIVER: Foi bem difícil no começo, ficamos bem assustados pois permanecemos fechados por 10 dias. O meu negócio foi liberado para funcionamento porque era considerado como serviço essencial à população, mas, mesmo assim, nosso movimento caiu mais de 50%, o que nos levou a ter 3 meses seguidos de pior faturamento em 10 anos. Porém, o nosso controle financeiro, nosso capital de giro de 5 meses, nossa clientela fiel e o processo da premiação nos ajudaram a manter o equilíbrio e até mesmo antecipar algumas contas, ganhando descontos em compras com pagamento à vista.

Por: Gustavo de Sá

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