Saiba quais problemas você pode detectar no sistema de ignição do motor Kappa 1.0 3-cilindros do compacto da Hyundai utilizando um multímetro e fazendo a análise visual das peças
Pequenos detalhes no diagnóstico ou no reparo podem fazer toda a diferença. Às vezes, um problema insolúvel de detonação no motor pode ser a falta de uma simples guia (ou bucha) de centralização no bloco ou no cabeçote. Ou um problema de falta de carga na bateria, que pode ter diversas origens e levar à troca de componentes caros, mas que na verdade está partindo de um simples mau contato no chicote. O faro investigativo do mecânico sempre foi valioso, mas o conhecimento de autoelétrica passou de ser um fator de distinção para ser regra a todo profissional que repara automóveis hoje em dia.
O motor Kappa 1.0 3-cilindros do Hyundai HB20 utiliza bobinas individuais em cada cilindro, do tipo “lápis” ou “caneta”, que dispensam o uso de cabos para se conectarem às velas. Cada bobina é ligada ao chicote da ignição por um conector com duas travas plásticas, que podem quebrar se este não for desligado adequadamente.
O técnico de Suporte ao Cliente da Delphi Technologies, Fernando Marcelino, mostra as consequências da remoção descuidada das bobinas em um Hyundai HB20 1.0 2018 de apenas 72 mil km rodados: dos três conectores, apenas um estava inteiro. Os outros dois estavam quebrados. Não há qualquer complicação em desligá-los: basta puxar uma trava (“lingueta”) para trás, pressionar levemente o corpo do conector como uma pinça e puxá-lo.
A falta de cuidado (e paciência) na hora de desconectar a bobina, e a consequente quebra da trava do conector, pode levar a mau contato e, obviamente, falhas de funcionamento do motor. “Em caso de trepidação, o conector pode se soltar em funcionamento e levar à perda de potência porque um dos cilindros deixará de funcionar”, aponta Marcelino.
Outro ponto de atenção neste motor é o torque baixíssimo de aperto do parafuso de fixação da bobina: de 9,8 Nm a 11,8 Nm. Isso porque a bobina é fixada diretamente na tampa de válvulas, que é de plástico de engenharia: ao forçar ligeiramente o aperto além do torque nominal, percebe-se que a tampa flexiona, o que indica o limite de tração do componente. Uma quebra da tampa de válvulas pode levar a diversos problemas decorrentes da falta de estanqueidade da admissão, bem como, de ignição, já que a bobina não estará fixada corretamente.
“Infelizmente, ainda são raras as oficinas que possuem torquímetro para baixos torques”, lamenta o professor de Engenharia da FMU, Fernando Landulfo, também consultor técnico da Revista O Mecânico e da CARRO. “É justamente nas peças mais delicadas que a ferramenta é indispensável. No caso de sensores, como por exemplo o de detonação, torques excessivos e insuficientes prejudicam o seu funcionamento, que passam e enviar sinais incorretos a unidade de comando”.
Com relação a tampas, o professor ressalta que não basta apertar com o torque correto. “Esse torque tem que ser o mesmo em todos os elementos de fixação e aplicado na sequência correta. Se essa regra simples não for obedecida o risco de ocorrência de empenamentos e os consequentes vazamentos são enormes. Uma vez deformada a tampa, é sucata”, adverte.
“TIROS” PELO ESCAPAMENTO
O HB20 1.0 desta reportagem apresentava explosão de mistura não queimada no escape, o que causa o indesejável efeito de “tiro” pelo cano do escapamento. Esse problema é extremamente prejudicial ao catalisador, já que essas explosões muitas vezes acontecem dentro do próprio componente (que trabalha com temperaturas acima dos 300°C) e o inutilizam, seja por queima (derretimento) ou quebra do elemento. Vale ressaltar que o catalisador é uma peça bastante custosa ao proprietário do veículo.
Quase sempre as causas da mistura não queimada estão relacionadas a falhas do sistema de ignição. Por isso, Fernando Marcelino seguiu uma rotina de testes básicos através de análise visual e testes de multímetro nas bobinas e velas para investigar se havia algum “culpado” (ou “culpados”) pelo problema. “Cuidado com a escala dos multímetros. Elas podem variar de aparelho para aparelho. Caso você selecione a escala errada, a medição também será errada”, alerta o especialista.
IMPORTANTE: Os testes e valores a seguir valem apenas para o modelo apresentado. Outros sistemas de ignição podem ter características que somente permitam sua análise correta com osciloscópio, até para as análises mais básicas. Lembre-se: para cada caso, há a ferramenta adequada. A análise visual e as medições com multímetro são procedimentos iniciais para o entendimento do que está se passando com a ignição do veículo e podem, eventualmente, resolver o problema. Mas, mesmo no HB20 1.0, um diagnóstico aprofundado do comportamento do sistema só é possível com a utilização de um osciloscópio, ferramenta que permite a leitura e o monitoramento dos sinais de tensão de ignição que o multímetro não possui a precisão necessária para identificar.
“Um osciloscópio de ignição equipado com os adaptadores adequados proporciona um diagnóstico rápido e preciso em ‘linha viva’ e temperatura normal de funcionamento (muitos componentes elétricos só apresentam mau funcionamento depois de aquecidos e dilatados). Um osciloscópio multicanal permite uma leitura comparativa entre as tensões de disparo das bobinas (equalização). Uma informação poderosa na hora de realizar um diagnóstico das condições de funcionamento do motor. Mas é preciso fazer o devido investimento”, observa Landulfo. Se o defeito no veículo persistir mesmo após os passos a seguir, faça o exame com o osciloscópio.
TESTES NA BOBINA
1) Resistência do circuito primário: Posicione a escala do multímetro em 200 mΩ (miliôhms) para medir a resistência entre os pinos (1a). Como a bobina é de apenas dois pinos (1b), não há complicação em identificar quais devem ser medidos. A resistência nominal é de 0,8 Ω ±15% (0,68 a 0,92 Ω).
2) Resistência do circuito secundário: Usando o multímetro em escala de 1 Ω (ôhm), meça a resistência entre o pino de cima e o contato com a vela. A resistência nominal é de 5,9 Ω ±15% (5,01 a 6,78 Ω). A bobina do 3º cilindro no HB20 apresentou problema nesta medição, o que levantou suspeita de que ela fosse a origem do problema.
3) Alimentação de bateria: Neste modelo, só é possível medir a alimentação que chega na bobina se o conector estiver ligado ao componente e a ignição com o contato acionado. Atenção: nunca, jamais fure um fio para fazer qualquer tipo de medição. “Um simples furo pode romper os filamentos internos do fio e com isso causar uma alta resistência”, avisa Marcelino. Por isso, coloque uma ponta de prova bem fina por trás do conector para o cabo positivo e a ponta de prova negativa no polo negativo da bateria.
4) Isolamento da carcaça: “Medir as resistências primária e secundária não atesta em definitivo que a bobina está funcionando corretamente. Ela pode ter um problema de isolamento na carcaça”, aponta o especialista da Delphi Technologies. Para verificar se há esse problema, com o motor ligado, pegue uma ponta de prova com uma extremidade fina para passar em volta da em volta da carcaça da bobina, com muito cuidado, enquanto a outra extremidade toca o polo negativo da bateria. Se a carcaça estiver avariada, vai haver formação de arco elétrico.
5) Aplicação da bobina: Para o Hyundai HB20 1.0 12v de aspiração natural, o código da bobina Delphi é GN10585 (5a). Como já comentamos, o torque de aperto do parafuso é 9,8 Nm a 11,8 Nm (5b) .
TESTES NA VELA E APLICAÇÃO
6) Análise visual: Observe a coloração da vela, os depósitos de material e desgaste dos eletrodos. Neste caso, as velas aparentavam desgaste normal: os eletrodos estavam íntegros e com desgaste normal, visto que as velas ainda eram as originais após 72 mil km. A coloração estava levemente marrom, também normal pela quilometragem de uso, e não havia depósitos secos (carbonização excessiva, ferro ou chumbo) ou úmidos (combustível) (6a) .
Obs: Este jogo de velas apresentava a chamada “mancha corona” (6b), uma mancha avermelhada em volta da cerâmica formada por partículas de óleo e combustível, que estão dispersas no cofre do motor, atraídas pelo campo magnético gerado em volta das velas. Essas partículas aderem na cerâmica da vela, provocando a mancha, mas não afeta o funcionamento do componente.
7) Abertura de eletrodo: Com um calibre de lâminas, meça a distância entre os eletrodos, que deve ser de 0,8 mm. Neste caso, pelo desgaste, nas três velas, a abertura já se aproximava de 1 mm. Mesmo que as velas estejam funcionando, esse fator por si só já determinaria a necessidade da substituição das velas, porque eletrodos mais distantes do que a medida nominal dificultam a formação do arco elétrico, que é a centelha de ignição em si, e sobrecarregam as bobinas, levando a um desgaste acelerado do conjunto.
8) Continuidade das velas: Se houver algum problema de resistência na vela, ela pode ter problemas em formar a centelha e, assim, não queimar a mistura no cilindro. Por isso, obtenha a resistência nominal do componente – neste caso, de 5 a 7 kΩ (kiloôhm). Duas das velas removidas do HB20 estavam com 6,5 kΩ e 7 kΩ, porém a do 3º cilindro apresentou resistência infinita. Isso significa que a vela não está funcionando e deve ser substituída.
9) Aplicação das velas: “Quando uma das velas apresenta problemas, deve ser trocado o jogo completo”, afirma Marcelino. No momento da compra das velas novas, observe a aplicação mediante tabela da fabricante e o seu grau térmico, que é a capacidade de dissipar calor dentro da câmara de combustão. “Cada carro pode ter uma taxa de compressão e isso afeta diretamente a quantidade de calor gerada pela combustão. Isso é compensado por uma vela adequada ao grau térmico”, explica Marcelino. As velas originais do HB20 desde 2016 são de irídio.
10) Torque de aperto: Na hora de rosquear a vela no cabeçote, faça isso manualmente para evitar “mastigar” a rosca, que é bastante fina. A aplicação de torque correto na vela também é muito importante para evitar retrabalho. Para todos os motores utilizados no HB20 desde seu lançamento no final de 2012, o aperto das velas é de 14,7 Nm a 24,5 Nm. Torque excessivo na instalação pode quebrar o isolamento cerâmico e inutilizar o componente, levando a prejuízo no serviço. “Isso sem falar nos danos que podem ocorrer na rosca dos cabeçotes de alumínio”, observa o professor Landulfo”. Por isso, assim como as ferramentas de medição eletroeletrônica, o uso do torquímetro é indispensável.
Mais informações – Delphi Technologies: 0800-011-8135
Texto & fotos Fernando Lalli
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