Landulfo aborda tudo sobre esse combustível que está presente na vida dos brasileiros desde 1930
artigo por Fernando Landulfo fotos Arquivo O Mecânico
O etanol é um composto orgânico pertencente à família dos álcoois (C2H6O), sendo popularmente conhecido como álcool etílico. Apresenta-se como um líquido incolor, de odor característico, volátil (ponto de ebulição de 78 °C), de molécula polar e altamente inflamável. É totalmente miscível, não só com água, mas também com vários solventes orgânicos (acetona). Via de regra, é encontrado na forma de uma solução, que pode conter de 1 a 8% de água [1].
Durante muito tempo, devido a sua versatilidade, o etanol foi utilizado, como: antisséptico, produto de limpeza e matéria prima de diversos produtos químicos (tintas, vernizes, cosméticos), além, de borrachas e plásticos. [2] Pois, os vantajosos preços dos derivados de petróleo, inviabilizavam economicamente a sua utilização como combustível.
Contudo, alguns visionários da indústria, como Henry Ford, fizeram, no início do século XX, tentativas fracassadas de transformar o etanol em combustível automotivo. [4]
No Brasil, a utilização de etanol em veículos automotores não é nenhuma novidade. As evidências podem ser facilmente encontradas nos registros históricos nacionais, que mostram a sua utilização décadas antes do início do Proálcool:
- a) Em 1925, um automóvel de 4 cilindros da marca Ford participou de uma corrida de 230 km na cidade do Rio de Janeiro, usando álcool etílico a 70% como combustível. [3]
- b) Na década de 1930, o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) viabilizou a produção de etanol anidro para mistura à gasolina, possibilitando a edição de Decreto 19.717 de 20 de fevereiro de 1931, que obrigava os importadores de gasolina a misturar 5% do álcool a mesma. Entre a edição do Decreto 19.717 e o início da Segunda Guerra Mundial, o etanol foi utilizado em proporções variáveis, de acordo com a disponibilidade. [3]
- c) Durante a Segunda Guerra, o combustível assumiu papel de grande relevância, uma vez que a dificuldade na importação do petróleo limitava a produção de gasolina. Em alguns estados do [3]Nordeste a porcentagem de álcool na gasolina chegou a 42%. [3]
Nos quase trinta anos que se seguiram ao fim da segunda guerra mundial, a mistura do etanol anidro à gasolina foi determinada pelo mercado internacional do açúcar (o etanol servia de “regulador” de estoques de açúcar). Como consequência da composição variável da gasolina oferecida no mercado, os motores dos automóveis não apresentavam desempenho regular. O que desagradava os consumidores. [3]
Em 1973, as nações produtoras e exportadoras de petróleo (OPEP) começaram a regular o escoamento da produção. Consequentemente, o valor do barril mais que triplicou em um curto período de três meses. [6]
Diante situação crise, o governo brasileiro criou o programa Proálcool, que teve início em meados dos anos 70. Suas grandes vantagens ambientais, econômicas são amplamente conhecidas: [1, 5]
- a) Diminuição da dependência externa de combustíveis; [3]
- b) Redução do déficit na balança de pagamentos; [3]
- c) Contribuição para a evolução da tecnologia nacional; [3]
- d) Interiorização do desenvolvimento econômico e social; [3]
- e) Contribuição para o crescimento da produção de bens de capital; [3]
- f) Geração de emprego e renda no país. [3]
No que tange ao aspecto estritamente técnico, pesquisadores como Yücesu[1] e seus pares confirmaram, em seus estudos, que o etanol quando utilizado como combustível: possui maior octanagem, o que permite a utilização de maiores taxas de compressão e consequentemente maior rendimento térmico. [7] O que faz dele um excelente aditivo antidetonante, em substituição aos compostos de chumbo, cloreto de metila e MTBE[2], utilizados no passado [7].
Além disso, como queima em temperaturas mais baixas, tem-se menores picos de temperatura na câmara de combustão, resultando menores emissões de e menores perdas de energia para as paredes do motor. Energia essa que é dissipada (perdida) para o ambiente pelo sistema de arrefecimento [7].
Isso sem falar que a utilização do etanol aumenta o rendimento volumétrico do motor, devido ao maior resfriamento da mistura e a sua maior entalpia de vaporização [7].
Contudo, devido a presença do oxigênio na molécula, tem-se uma redução do poder calorífico do combustível, o que implica num aumento do consumo [7].
Na primeira fase do Proálcool (1975 a 1979) o etanol produzido era anidro e tinha como objetivo ser adicionado a gasolina (aditivo antidetonante). [5]
Já a segunda fase do programa (1979 a 1985), marca a produção do etanol hidratado, para uso generalizado em motores “movidos a álcool” (denominação da época) [5].
O Proalcool experimentou um grande sucesso pois, mediante incentivos fiscais e financiamentos dos bancos oficiais a juros vantajosos, instalaram-se destilarias para produção de álcool anidro junto às usinas de açúcar. [3] Nos períodos de safra, entre 1975/76 à 85/86, a produção de etanol sofreu um incremento de mais de 2.000 % . [3] Nesse período, todos os objetivos do Proalcool foram atingidos, inclusive o grande aumento da produção de veículos “movidos a álcool”. [3]
Nesse ponto é importante lembrar que o pioneirismo do desenvolvimento dos motores a etanol no Brasil é atribuído a Urbano Ernesto Stumpf, na década de 1970 [2].
No entanto, o programa, nem sempre, manteve uma trajetória “vitoriosa”. E a razão é simples: sempre esteve a mercê da flutuação da produção e do mercado de açúcar / etanol. [3]
A partir de 1986, os preços do barril de petróleo caíram de US$ 30 a 40 para US$ 12 a 20 (“contra-choque do petróleo”). Isso associado aos baixos preços pagos aos produtores de álcool, impediram a elevação da produção interna do produto. pressionando os programas de substituição de hidrocarbonetos fósseis. [8]
No Brasil os efeitos foram sentidos a partir de 1988, coincidindo com um período de escassez de subsídios e os baixos preços pagos aos produtores de álcool. Resultado: a oferta de etanol não acompanhou o crescimento da demanda, com as vendas de carro a álcool atingindo níveis superiores a 95,8% das vendas totais de veículos de ciclo Otto, em 1985. [8]
Por outro lado, a demanda pelo etanol, por parte dos consumidores, continuou sendo estimulada, através da manutenção de um preço relativamente atrativo, em relação ao da gasolina, e manutenção de menores impostos nos veículos movidos a álcool. [8]
Todos esses fatores geraram a crise de abastecimento da entressafra de 1989-1990. [8]
Crise essa, que levou um grupo de engenheiros da Robert Bosch do Brasil a avaliar que o desenvolvimento de veículo de uma alimentação flexível (gasolina e etanol), seria a solução para o país. Pesquisas essas que culminariam na consolidação do motor “flexfuel” nacional [5].
Entre 1995 e 2000, os mercados de álcool combustível, tanto anidro quanto hidratado, encontravam-se liberados em todas as suas fases de produção, distribuição e revenda sendo os seus preços determinados pelas condições de oferta e procura. [9]
Entre 2000 a 2009, a produção total de etanol (anidro +hidratado), aumentou de 10.593 bilhões para 27.513 bilhões de litros (UNICADATA, 2012), o que representa aumento médio anual de 17,75%. [3]
Aumento esse que se deveu a popularização dos automóveis com motores flex-fuel. [8]
Atualmente, o Brasil vive uma nova expansão dos canaviais com o objetivo de oferecer, em grande escala, o etanol. [9]
Atualmente, o etanol brasileiro é considerado um “combustível avançado” pela agência estadunidense Environmental Protection Agency. Status esse que lhe proporciona um mercado internacional gigantesco. [3]
E essa nova escalada não é um movimento comandado pelo governo, Mas sim, movida por decisões da iniciativa privada, convicta de que o álcool terá, a partir de agora, um papel cada vez mais importante como combustível, no Brasil e no mundo. [9]
Nos atuais debates e seminários da indústria automotiva, o etanol é a “bola da vez”: [10]
- a) A GWM, anunciou que, em sua planta de Iracemápolis, interior de São Paulo, desenvolve motores híbridos “flex” para futuros produtos; [10]
- b) A Volkswagen anunciou que prepara um novo motor híbrido “flex”; [10]
- c) A Toyota desenvolve agora um inédito híbrido “flex” plug-in; [10]
- d) A Nissan e a Renault também estão com um projeto de motor turbo híbrido flex.
“… combinar etanol com eletrificação nos veículos surge como uma das soluções mais viáveis a curto prazo, quando se trata da descarbonização. São veículos que já contam com ampla infraestrutura do combustível por todo o país.
Diversos estudos defendem que as emissões de carbono são menores em carros eletrificados se movidos a etanol do que os puramente elétricos, considerando a matriz elétrica limpa do Brasil.” [10]
Referências:
[1] LANDULFO, Fernando. Os efeitos corrosivos indesejáveis da utilização do Etanol Hidratado Combustível (EHC), em veículos automotores equipados com motores ciclo Otto e as possíveis minimizações. AUTO ACADÊMICO. Disponível em: <https://ift.tt/DqvNsZb>.
[2] LIMA, Ana Luiza Lorenzen. Etanol. Mundo Educação. Disponível em:< https://ift.tt/EtXilHR>. Acesso em 18/09/2024.
[3] DIAS, José Manuel Cabral de Souza. O Uso do Etanol como Combustível no Brasil Vai Completar Um Século. Agroenergia em Revista. ed. 5, dez. 2012, p.12-13.
[4] UB PROTEÇÂO VEICULAR. Qual a origem do combustível etanol? Disponível em: < https://ift.tt/EpWvaBj>. Acesso em 18/09/2024.
[5] CORTEZ, Luis Augusto Barbosa (org.). Proálcool 40: Universidades e Empresas: 40 anos de ciência e tecnologia para o etanol brasileiro [livro eletrônico]. São Paulo: Blücher, 2018.
[6] SOUZA, Ranier Gonçalves. Crise do Petróleo. Infoescola. Disponível em: < https://ift.tt/25ifVZa>. Acesso em 18/09/2024.
[7] LANDULFO, Fernando. Aumento da porcentagem do etanol anidro na gasolina: vamos discutir, tecnicamente, os impactos de uma medida que está dando muito o que falar. AUTO ACADÊMICO. Disponível em: <https://ift.tt/DqvNsZb>.
[8] BIODIESEL-BR. Proalcool – Programa Brasileiro de Álcool. Disponível em: < https://ift.tt/ni9Ct5j>. Acesso em: 18/09/2024.
[9] LAMONATO, Danilo. Pró-Álcool: de sua criação aos dias atuais. Jusbrasil. Disponível em: < https://ift.tt/hyb87RX>. Acessoem 18/09/2024.
[10] NUNES, Lucia Camargo. Carro híbrido com etanol vira a “bola da vez” na disputa com modelo 100% elétrico: mas qual é a melhor solução? Seu dinheiro. Disponível em: < https://ift.tt/jAO3gYi>. Acesso em 18/09/2024.
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