Substituto do variador de fase do eixo comando de válvulas, sistema MultiAir adotado pela Fiat há mais de 10 anos em motores flex de aspiração natural agora está nos novos motores 1.0 e 1.3 GSE Turbo dos Jeep Compass e Renegade, além dos Fiat Toro e Pulse
Tecnologia empregada em motores Fiat e Jeep, o MultiAir permite mais flexibilidade no gerenciamento de abertura e fechamento das válvulas de admissão do que um variador de fase comum. Este sistema faz com que as válvulas possam abrir e fechar livremente durante o tempo de admissão, permitindo que o motor se torne mais eficiente em qualquer demanda de aceleração e, por consequência, menos poluente.
Desenvolvido pela Fiat em parceria com a Schaeffler, o MultiAir começou a ser aplicado em linha em meados de 2009 no motor 1.4 16v de 105 cv do modelo italiano Alfa Romeo MiTo. Em 2011, esse mesmo motor foi introduzido no mercado brasileiro através do Fiat 500, com o nome Fire 1.4 16v MultiAir. O sistema se popularizou no Brasil anos mais tarde, a bordo do motor flex 2.0 Tigershark do Jeep Compass e da Fiat Toro até 2021. A picape também recebeu o motor 2.4 Tigershark, igualmente dotado de MultiAir.
Agora em sua terceira geração, o MultiAir é um componente fundamental nos novos motores 1.0 e 1.3 GSE Turbo do grupo Stellantis, que já ganharam as ruas nas novas versões de Compass, Toro, Jeep Renegade e no inédito Fiat Pulse (conira o ‘Raio X’ do novo SUV compacto nesta edição).
O QUE É O MULTIAIR?
Fisicamente, olhando o cabeçote sem a tampa de válvulas, o MultiAir é um bloco com módulos eletro-hidráulicos independentes (um para cada cilindro), que substitui o eixo comando de válvulas de admissão (1a, 1b e 1c).
No sistema convencional de abertura de válvulas no motor de Ciclo Otto, o came do eixo comando aciona a válvula através do contato com o tucho ou por um balancim roletado. Considerando que os cames são fixos no eixo comando, a abertura de válvulas é sempre linear e total, acompanhando o movimento do came correspondente no eixo comando, não importando o regime de aceleração do motor. Isso pode causar gasto desnecessário de combustível e perda de potência em algumas situações.
Quando é adicionado um variador de fase a esse sistema convencional, o gerenciamento eletrônico do motor pode mudar o momento da abertura das válvulas em relação ao movimento dos pistões dentro do cilindro, mas a amplitude da abertura continua sendo linear.
A diferença do variador de fase contínuo para o MultiAir é que este garante o controle dinâmico da entrada de ar, cilindro por cilindro, e ciclo por ciclo, sem necessariamente acompanhar o movimento linear do came.
Em todos os motores com MultiAir, existe um eixo comando para as válvulas de exaustão, com cames fixos, ou seja, sem variador de fase (2). Mas, para cada par de cames de exaustão, há um terceiro came que, através de um balancim roletado, aciona um pistão horizontal no bloco hidráulico do MultiAir (3).
Cada um desses pistões corresponde a um módulo de um cilindro. Esse pistão é o responsável por enviar a pressão de óleo para a câmara hidráulica cujos tuchos (4) vão acionar as válvulas de admissão correspondentes.
O componente que gerencia essa pressão hidráulica é uma válvula solenoide comandada eletronicamente pela unidade de comando do motor (ECU) (5). Quando a solenoide está fechada, o óleo transmite na câmara hidráulica o movimento de abertura imposto pelo came mecânico para as válvulas de admissão (6). Já quando a solenoide abre, ela “vaza” o óleo para o retorno do motor e a pressão não é transmitida para a ação da válvula de admissão. Esse acionamento da solenoide acontece em frações ínfimas de segundo.
Ao modular a pressão hidráulica dessa forma, a solenoide permite variar o movimento das válvulas não só em tempo e amplitude, mas também em número de movimentos: as válvulas podem abrir e fechar mais de uma vez dentro de um mesmo tempo de admissão. Desta forma, o comportamento das válvulas de admissão muda conforme a demanda de ar do motor, e com mais precisão do que um variador de fase, sem gerar perdas de bombeamento e contribuindo para reduzir o consumo de combustível do motor.
“O MultiAir usa as válvulas de admissão como o elemento de aceleração do motor numa maneira mais aprimorada do que o variador de fase contínuo. Como é um sistema mais sofisticado, permite uma liberdade de movimentação das válvulas quase infinita”, explica o especialista de Produto Powertrain da Stellantis, Erlon Rodrigues. “O sistema MultiAir dá completa liberdade para a movimentação da válvula de admissão. Por isso, a de descarga (exaustão) é uma válvula de acionamento direto e não necessita de variação”, complementa Erlon.
PROGRAMAÇÕES DO MULTIAIR
A tecnologia das três gerações do MultiAir é praticamente a mesma. O que muda é a programação das estratégias, que foram evoluindo para atender às necessidades de cada projeto.
Diferentes estratégias são adotadas pelo MultiAir para otimizar a eficiência da combustão. O curso total de levantamento das válvulas de admissão (conhecido como “Full Lift” ou “levantamento total”), sistema convencional de abertura nos motores de Ciclo Otto, é utilizado pelo MultiAir somente quando é necessária potência máxima do motor.
Na partida do motor e em marcha lenta, o MultiAir comanda a abertura tardia da válvula (modo LIVO) e determina uma maior velocidade de entrada de ar no cilindro, otimizando a mistura.
Já em rotações médias e baixas a plena carga, o modo de fechamento antecipado da válvula de admissão (EIVC) otimiza a massa de ar no interior do cilindro, evitando o retorno de fluxo pela válvula de admissão. Em cargas parciais, o funcionamento EIVC faz com que o motor controle a carga de aceleração pelas válvulas, e não mais apenas pela borboleta, o que reduz as perdas por bombeamento e aumenta a eficiência do motor neste tipo de utilização.
“Um motor normal, quando aspira o ar, ele está aspirando contra um coletor com borboleta fechada, enquanto o coletor de escapamento tem uma pressão positiva pequena. Então o motor além de fazer força para movimentar o carro ele tem de fazer força para bombear o ar de um ambiente em depressão para um ambiente com pressão”, descreve Erlon Rodrigues.
“Quando o MultiAir faz o controle de carga pela válvula, com a borboleta aberta, o coletor de admissão vai estar em uma pressão muito mais próxima da pressão atmosférica. A única perda vai ser a restrição do filtro de ar e da tubulação. O motor não vai fazer força para jogar o ar de um lado para o outro. Isso faz com que a eficiência do motor aumente. No caso do MultiAir, a diferença é de mais de 10% de eficiência em cargas baixas em relação ao motor sem a tecnologia”, garante o engenheiro.
Erlon ainda afirma que o motor com MultiAir simplesmente poderia abrir mão do corpo de borboleta. Isso só não é possível na prática porque o cânister precisa de vácuo (depressão) para fazer sua purga e, também, a presença da borboleta reduz a emissão de ruído do funcionamento das válvulas.
O modo de múltiplas aberturas das válvulas (Multi Lift), com duas aberturas por ciclo, é utilizado durante cargas de rotação muito baixas (como dirigir em trânsito lento), o que permite aumentar a turbulência da mistura e, assim, otimizar a combustão.
No MultiAir de 2ª geração, o came de acionamento foi redesenhado para permitir um “pré-levantamento” das válvulas de admissão durante a fase de escapamento, possibilitando fazer EGR interno (reaproveitamento dos gases de escape, “reaspirando-os” para a câmara de combustão). Essa medida visa reduzir emissões de óxido de nitrogênio e o aumento da eficiência do motor na carga parcial. Segundo a Stellantis, a 3ª geração do MultiAir, presente nos novos motores GSE Turbo, permite controle ainda mais flexível nesse sentido, aproximando a estratégia de algo parecido com um ciclo Miller.
Além disso, o perfil de levantamento da válvula de admissão do MultiAir atual dos motores GSE Turbo é mais extenso e possibilita gerenciar a taxa de compressão efetiva do motor, mantendo a tendência à detonação (a famosa “batida de pino”) sob controle, independentemente do combustível utilizado, com o controle do atraso do fechamento da válvula. Isso é feito para reduzir a pressão e a temperatura na câmera de combustão, controlando a detonação sem comprometer o avanço de ignição. Assim, como resultado, consegue-se mais eficiência de combustível nas condições de alta carga, quando se deseja desempenho do veículo.
Texto: Fernando Lalli
Fotos: Divulgação/Arquivo O Mecânico
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