quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Manutenção preventiva não é venda casada

troca conjunta de peças

Consultamos advogados especializados e mecânicos para explicar como deve ser a relação com o cliente sobre a troca conjunta de peças

 

O mecânico profissional, fiel leitor da Revista O Mecânico, sabe bem a importância da manutenção preventiva. Preconizada por todos os fabricantes e pela maior parte das entidades de classe, a troca de componentes de segurança, desgaste e filtragem dentro do período de vida útil previsto garante o correto funcionamento do motor e demais sistemas dos veículos. Mas, e quando há recomendação técnica de substituição conjunta de componentes? Isso pode ser considerado venda casada? Foi a pergunta que fizemos a advogados especializados e mecânicos a fim de jogar uma luz definitiva sobre este tema.

De forma simplificada, o termo informal venda casada é definido no Código de Defesa do Consumidor como o ato de “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço”. “A venda casada ocorre quando o fornecedor diz que a compra de um produto está vinculada à contratação de outro. Mas isso vale para quando não há uma real necessidade de que um produto seja vinculado ao outro”, afirma a advogada Renata Reis, coordenadora de atendimento do Procon-SP.

Na visão da advogada Alessandra Milano Morais, especializada em Assessoria Empresarial, Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor, o mecânico deve sempre priorizar a segurança dos veículos e clientes. “As oficinas mecânicas são especialistas, têm a expertise quando o assunto é manutenção. Portanto, os mecânicos não podem realizar serviços nos veículos que possam ir contra à segurança. Quando falamos de itens de segurança, não há venda casada, se existem, inclusive, normas regulamentadoras da ABNT que determinam a troca preventiva de determinados componentes”, explica Morais.

Exemplos de itens que têm indicação técnica de substituição conjunta são correia dentada e tensionador e óleo do motor e filtro de óleo, entre outros. Nestes casos, o mecânico deve sempre explicitar ao cliente a razão técnica da necessidade de troca conjunta. “O Direito não é uma ciência exata, mas trabalha com o conceito de razoabilidade. Se o filtro de óleo serve para filtrar o óleo, obviamente é necessária a substituição conjunta para que o óleo novo não seja contaminado. Não existe uma lei que trate especificamente deste assunto, mas a jurisprudência e o entendimento dos tribunais é de que o mecânico tem que prezar pela segurança. Caso contrário, as oficinas podem ser responsabilizadas civil e criminalmente”, revela Morais.

Para se resguardar juridicamente, o mecânico deve sempre indicar em documentos a necessidade técnica do reparo em conjunto. Isto pode ser incluído no orçamento, no e-mail de diagnóstico ou em conversas com o cliente via aplicativo de mensagens. “Sempre opte pelo orçamento ou ordem de serviço por escrito, via correio eletrônico ou em papel. Deve constar que o mecânico informou o consumidor sobre as condições para a prestação de serviço e as possíveis consequências de não realizar o procedimento técnico de forma completa”, orienta a especialista do Procon-SP.

Quando existir a chance de o reparo incompleto colocar em risco a segurança dos usuários do carro, a indicação é que o centro automotivo não realize a manutenção. “A oficina pode, sim, recusar o serviço, já que é uma empresa privada. O mecânico não deve se submeter ao risco de fazer um serviço parcial. A palavra mágica nas relações de consumo é a informação. É essencial que haja a comprovação de que a oficina informou adequadamente ao cliente qual serviço deveria ser realizado e por qual motivo deveria ser realizado”, declara Alessandra Morais.

A VISÃO DOS MECÂNICOS NO CHÃO DE OFICINA

O grande desafio no dia a dia das oficinas, portanto, é convencer o consumidor de que há uma necessidade técnica indispensável para o reparo em conjunto de determinados componentes. “Já vi casos de clientes que perderam um amortecedor em um buraco e surgiram na oficina com o pedido para que apenas um deles fosse substituído. Os clientes são leigos e nós, mecânicos, temos o dever de explicar qual é a recomendação técnica. Nesse caso, é essencial que ao menos o par de amortecedores do mesmo eixo seja trocado para que não haja desequilíbrio na suspensão”, exemplifica o mecânico Camilo de Lelis Matos, proprietário da oficina Garagem 85, em Guarulhos/SP.

“Cuidar da saúde do carro é como cuidar da nossa saúde. O serviço preventivo livra o condutor e proprietário do veículo de várias situações que podem ser evitadas, como uma correia se romper ou a bateria se descarregar. Nós sempre passamos ao cliente a informação sobre peças que trabalham juntas e têm que ser substituídas em conjunto, como o tensionador da correia dentada. O fato de explicar isso nos resguarda de problemas futuros”, analisa a mecânica Agda Óliver, proprietária da oficina Meu Mecânico, em Ceilândia/DF.

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“É um erro quando alguém tenta classificar como venda casada uma troca conjunta de correia dentada e tensionador, por exemplo. Quando as peças são projetadas em conjunto, como amortecedores, molas e coxins, é necessário que também sejam trocadas em conjunto. Isso se estende à troca de óleo e filtro de óleo. Se o óleo deteriora, o filtro deteriora junto”, explica Matos.

Os profissionais relatam que já recusaram serviço por conta do risco de um eventual reparo parcial. “Caso implique na segurança, nós não realizamos o serviço. Já se não traz riscos, mas pode gerar algum incômodo, como um ruído de coxim, por exemplo, deixamos a recomendação bem clara na ordem de serviço e por meio de conversas com o cliente”, detalha o profissional da Garagem 85. “Já recusamos serviços sim, especialmente aqueles que são indicados pelos fabricantes e o cliente não concorda que executemos”, conta o mecânico Roberto Turatti, sócio-proprietário da oficina Invest Auto, de Balneário Camboriú/SC.

Óliver também já optou por não realizar o atendimento a fim de evitar problemas. “Já recusamos de fazer a manutenção quando o cliente nos disse que nunca havia trocado o filtro de óleo do seu veículo, que tinha mais de 5 anos de uso. Sempre informamos qual é a função do filtro de óleo e que a troca é recomendada pelas montadoras. Nosso comprometimento vai além de uma simples troca de óleo. A recusa de prestar um serviço, em alguns casos, é também a garantia de um trabalho digno”, opina a mecânica do Distrito Federal.

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Para o mecânico Nivaldo Silva, proprietário da oficina Special Car, em São Paulo/SP, alguns motoristas ainda tentam enxugar o orçamento de manutenção preventiva. “Tem cliente que quer economizar e não trocar o filtro de óleo junto com o lubrificante. Nossa recomendação é sempre substituir em conjunto, assim como pastilhas de freio e fluido de freio ou velas e cabos de vela”, conta.

Para Matos, por estar relacionada à segurança, a suspensão deve sempre fazer parte do conceito de manutenção preventiva. “Em uma troca de amortecedores, os clientes por vezes preferem manter as molas usadas. Aí, vale o mesmo raciocínio da correia e do tensionador. As molas podem até estar em bom estado no momento da troca do amortecedor, mas não quer dizer que elas irão suportar toda a quilometragem pela frente”, conta.

Apesar da insistência de alguns clientes pela manutenção parcial, a análise dos mecânicos entrevistados é de que o perfil do consumidor está evoluindo. “Nossos clientes, felizmente, são diferenciados e têm uma boa aceitação sobre a recomendação técnica da oficina. Eles têm o costume de nos procurar para as manutenções preventivas. Claro que pode ocorrer um reparo corretivo, mas a preventiva é o caminho para evitar que o cliente fique na rua”, revela o mecânico de Guarulhos.

O raciocínio também é valido para a freguesia da Meu Mecânico. “Nossos clientes têm ciência de que acompanhar o manual é o melhor para o veículo. E é isso que fazemos, seguimos as indicações previstas no manual do proprietário”, afirma Óliver.

Para deixar transparente as necessidades de manutenção após o diagnóstico detalhado do veículo, a oficina Invest Auto trabalha com o envio de dois orçamentos ao cliente. “Informamos ao motorista, com clareza e argumentos técnicos, as reais necessidades de manutenção, com um orçamento no foco [do problema] e outro para a preventiva. Em nossa empresa, é baixo o índice de clientes que não aprovam [a troca preventiva]”, conta Turatti.

 

 

 

 

Texto: Gustavo de Sá
Fotos: Arquivo O Mecânico & Arquivo Pessoal

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