Saiba como é concebido e a forma que trabalha o variador de fase do motor 1.8 E.torQ EVO utilizado no Jeep Renegade e nos Fiat Argo, Cronos e Toro
Usado em modelos Fiat e Jeep desde o ano de 2016, o motor 1.8 E.torQ EVO/EVO VIS possui variador de fase no eixo comando, que altera o ciclo de funcionamento do motor modulando o ângulo de abertura das válvulas em relação ao virabrequim. O objetivo principal é controlar propositalmente a potência que o motor produz em posições intermediárias do acelerador de forma a permitir que a borboleta trabalhe aberta, gerando pressão próxima da atmosférica no coletor de admissão e, consequentemente, diminuindo o esforço de aspiração da mistura do motor.
“Em um veículo com acelerador a cabo normal, quando você está pisando pouco no acelerador, a borboleta fica parcialmente fechada e o motor produz pouca potência, que é o que se quer naquela condição. Porém, a borboleta é a entrada do coletor de admissão, ou seja, o motor é forçado a aspirar o ar de um ambiente em depressão e bombear esse ar para um ambiente em pressão atmosférica, que é o coletor de escape. E isso faz o motor desperdiçar energia”, descreve o especialista de Produto Powertrain da Stellantis, Erlon Rodrigues.
Para reduzir esta perda gerada pela borboleta em acelerações intermediárias, o variador de fase atrasa o ponto de abertura e fechamento das válvulas – o movimento é simultâneo tanto na admissão quanto na exaustão, uma vez que o motor possui apenas um eixo comando.
Assim, a potência do motor é controlada através do eixo comando, usando um ciclo misto dos conceitos Miller e Atkinson. “Produzindo torques aproximadamente acima de 40 Nm, e em rotações intermediárias, o EVO não necessita da borboleta para controlar a aceleração. O motor usa somente o eixo comando”, revela Erlon.
Lançado em 2015 com o Jeep Renegade, o 1.8 E.torQ EVO manteve a potência máxima de sua versão anterior, sem variador de fase. Entretanto, graças a adição desse recurso, o mapa de torque pôde ser alterado para oferecer mais força a baixas rotações. O pico foi levemente alterado: teve pequeno aumento em 0,2 kgfm (19,1kgfm com etanol e 18,6 kgfm a gasolina) e desceu de 4.500 rpm para 3.750 rpm.
A principal mudança ocorreu no controle de emissões e economia de combustível. Erlon Rodrigues relata que, em condições de medição padrão, o consumo é 5% menor se comparado ao 1.8 E.torQ sem variador de fase descontinuado após 2015 (não confundir com a versão NPM).
Também contribuem para este resultado o novo coletor de admissão com dutos redesenhados no cabeçote, novo coletor de exaustão, válvulas maiores, nova câmara de combustão (a taxa de compressão passou de 11,2:1 para 12,5:1), pistões redesenhados e bomba de óleo com vazão variável. A injeção possui sistema de partida a frio com um quinto injetor que faz a função de válvula dosadora, levando a gasolina do reservatório auxiliar (“tanquinho”) até os condutos no coletor de admissão.
COMO FUNCIONA O VARIADOR DE FASE COM UM COMANDO SÓ?
O sistema do variador de fase do E.torQ é composto basicamente por cinco peças principais: o sensor de fase, a eletroválvula de acionamento, a roda fônica, o parafuso-válvula e a polia do variador. O sensor de fase (1) fica parafusado na tampa plástica do cabeçote, próximo à eletroválvula de acionamento do variador.
Já a eletroválvula (solenoide) fica presa à tampa por dois parafusos de 8 mm (2). Importante: em caso de remoção da tampa, por qualquer motivo, esta eletroválvula deve ser removida antes. Se a tampa for removida com a eletroválvula montada, o pino de acionamento (3) pode ser danificado e inutilizar o componente. O mesmo cuidado deve ser tomado na montagem, instalando a eletroválvula depois da tampa para evitar danificar o pino.
A eletroválvula do variador de fase trabalha com frequência de 200 Hz. Isso significa que ela pode modular a movimentação do variador de fase até 200 vezes por segundo. Isso ocorre pelo pino de acionamento que abre e fecha a válvula mecânica (4) dentro do parafuso da polia (o tal “parafuso-válvula”) conforme manda o gerenciamento do motor (ECU).
O parafuso-válvula, portanto, como o nome já adianta, tem função dupla. A primeira função é fixar a roda fônica e a polia do variador de fase ao eixo comando de válvulas (5). A segunda função é modular o fluxo de óleo para as câmaras do variador de fase.
Dentro do variador de fase, existem duas câmaras que, quando se enchem de óleo, “empurram” o eixo comando para um lado ou para o outro, atrasando ou adiantando o ângulo em relação ao virabrequim. A alimentação vem direto da bomba de óleo por um orifício dedicado no mancal nº1 do eixo comando (lado do sincronismo) (6).
O lubrificante passa por dentro do eixo (7) e é direcionado ao variador pelo parafuso-válvula, que possui furos que se comunicam com as câmaras do variador (8).
Conforme a eletroválvula atua, esses furos no parafuso-válvula abrem e fecham rapidamente, modulando a alimentação de óleo para cada câmara, assim, variando o ângulo do comando e, consequentemente, o movimento de abertura das válvulas do motor.
O variador de fase do motor E.torQ EVO, como explica Erlon Rodrigues, é classificado como um de “grande autoridade”, ou seja, o ângulo que ele varia é muito grande: neste caso, 60°. Em sua instalação, sem a pressão de óleo, o variador de fase estará em posição de batente controlado por uma mola – adiantado em 10° em relação ao seu centro fluido-dinâmico. “Quando o motor é ligado, o variador volta ao centro fluido-dinâmico”, explica o especialista da Stellantis.
A polia possui encaixe chavetado excêntrico, ou seja, há apenas uma posição de montagem no eixo comando (9). Como a engrenagem da corrente no virabrequim é fixa, a fasagem do sistema vai depender das marcações nos elos coloridos da corrente de sincronismo (10 e 11).
Na montagem, o torque de aperto do parafuso-válvula é combinado: 50 Nm + aperto angular 45° (12). Torqueá-lo corretamente é fundamental, pois ele possui peças internas móveis que, caso o componente seja apertado em demasia, podem ser deformadas e travarão o funcionamento da válvula.
AO INVÉS DO CICLO OTTO, UM CICLO MISTO “MILLER-ATKINSON”
O resultado da atuação do variador de fase neste motor é que o E.torQ não trabalha com uma fase fixa semelhante a um motor de ciclo Otto convencional – mas, sim, com um ciclo continuamente variável que combina os conceitos do ciclo Miller com o ciclo Atkinson – que, em suas origens, são derivados do Otto.
Em linhas gerais, o ciclo Miller possui a fase de compressão menor do que a de expansão da combustão: as válvulas de admissão ficam abertas durante certo tempo na compressão permitindo a saída de parte da mistura e diminuindo a resistência à compressão dos gases.
Por sua vez, o ciclo Atkinson possui a fase de expansão mais prolongada que a fase de compressão. Parece a mesma coisa, mas não é: enquanto o ciclo Miller prevê uma compressão menor do que o curso total do pistão, o ciclo Atkinson prevê a utilização de algum recurso para aumentar o tempo de combustão (expansão) em relação ao que seria o “normal” em uma condição de fase fixa.
Como isso se traduz no E.torQ? Com o motor funcionando em ciclo Otto, a abertura das válvulas de escape ocorre antes do fim do curso de expansão, o que é necessário para não limitar a potência do motor em altas rotações. Porém, liberar a saída dos gases antes significa perder uma parte da energia de expansão que eles ainda tinham, diminuindo a eficiência do motor. Atrasando a abertura das válvulas de descarga até o fim da expansão, usa-se toda a energia disponível nos gases, semelhante ao que ocorre no ciclo Atkinson.
No começo do tempo de compressão, as válvulas de admissão atrasam seu fechamento para que parte da mistura ar- -combustível volte ao cabeçote, fazendo com que o curso de compressão seja reduzido e a mistura queimada, idem – algo semelhante ao ciclo Miller.
Já o atraso do fechamento das válvulas de exaustão após o início do tempo de admissão faz com que parte dos gases de escape queimados anteriormente sejam “sugados” de volta para a câmara de combustão, promovendo o chamado EGR interno (EGR significa “Exaust Gas Recirculation” ou “Recirculação dos Gases de Escape”).
Ambos os movimentos que ocorrem no tempo de compressão reduzem a quantidade de combustível queimado dentro da câmara de combustão e, consequentemente, diminuem a força produzida nesse momento, permitindo que a borboleta fique aberta e o motor gire com menos esforço.
“Nesse tipo de ciclo misto que o E.torQ EVO adota, é o eixo comando quem faz a desaceleração ou a aceleração do veículo, e nessas condições o motor não estará bombeando contra o vácuo”, aponta Erlon. “Essa condição de funcionamento é justamente a que o motorista comum utiliza. Ninguém dirige o tempo todo com o pé embaixo. O normal é utilizar baixas e médias rotações, controlando a potência no acelerador”.
Ele ressalta que “quando se exige potência e torque do motor, condição em que a borboleta está naturalmente aberta, o variador de fase volta a funcionar sem atraso, no zero fluido-dinâmico do motor, aproximadamente a posição fixa do eixo comando do motor NPM. E, portanto, volta a funcionar normalmente em ciclo Otto, no qual se produz o máximo de potência que o motor é capaz”.
Porém, no ciclo misto Miller-Atkinson, a combustão fica lenta por causa da presença de gás de descarga. “Por isso, é necessário promover a aceleração da combustão, e isso é feito basicamente pelo sistema de ignição de alta energia e pelo sistema de combustão de alta turbulência”, aponta. A turbulência é gerada pelo formato dos condutos, válvulas e câmara de combustão, o que traz a necessidade de se observar mais detalhes durante a manutenção.
Erlon explica que, com o motor operando em regimes de cargas parciais em ciclo “Miller-Atkinson” para aumentar sua eficiência, trabalha com grandes quantidades de EGR interno. Isso requer, obviamente, uma queima mais eficiente da mistura. Por isso, o sistema de ignição teve que ficar mais robusto. As bobinas dos motores EVO e EVO VIS possuem energia de 70 mJ, mais fortes que as do motor NPM, que trabalham com 40 mJ. Já as velas passaram a ser de irídio.
“O eletrodo da vela de irídio é bem fino e tem cantos vivos em sua ponta. A grande vantagem disso é que uma ponta ou um canto ‘vivo’, libera a centelha com mais facilidade que uma ponta arredondada”, detalha Erlon Rodrigues. O que permite ao eletrodo ter esse formato é justamente o material de que é feito. “O irídio suporta altíssimas temperaturas sem perder suas características mecânicas”, aponta o engenheiro.
Texto & fotos Fernando Lalli
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