Aplicação do regulador de tensão errado faz o alternador roubar mais energia do motor e acender a luz de bateria; saiba como isso pode acontecer em um Ford Ka Sedan 1.5 manual
Toda a evolução dos automóveis gira em torno de dois pilares: segurança (dinâmica veicular e sistemas de automação) e eficiência energética. No mundo inteiro, com normas governamentais cada vez mais restritas para controlar a emissão de poluentes, as fabricantes analisam minuciosamente cada ponto do automóvel com o objetivo de se reduzir ao máximo o uso de combustível e, consequentemente, tornar veículos a combustão meios de transporte tão limpos quanto possível.
A comunicação eletrônica entre os diferentes sistemas do veículo através de redes multiplexadas (CAN, LIN etc.) tem um grande papel nesse controle de poluentes. Com os componentes gerenciados por unidades de comando e “conversando” entre si milhares de vezes por segundo, evita-se, entre outros males, o desperdício da energia produzida pelo motor. Essa interação aumentou tanto que, em veículos com projetos mais recentes, o regulador de tensão do alternador pode influenciar no consumo de combustível.
A função principal do regulador de tensão, como o nome já sugere, é tornar estável a tensão de alimentação do sistema elétrico do veículo mesmo com as variações de rotação do motor e de carga do alternador. De acordo com o coordenador de Divulgação Técnica da Gauss, Norberto Donizeti dos Santos, em projetos mais recentes, o regulador de tensão pilotado pela unidade de comando (ECU) do motor gerencia essa tensão de forma inteligente.
Por exemplo: quando a bateria atinge sua carga total e o sistema entra no chamado “equilíbrio elétrico”, a ECU ordena ao regulador diminuir a tensão de alimentação para aproximadamente 12,6V, permitindo ao alternador enviar apenas a corrente necessária para manter o nível e, eventualmente, ficar inativo para roubar menos potência do motor. “Esse tipo de alternador e de regulador trabalha comandado pela central por uma questão muito simples: economia de energia e economia de combustível”, afirma o especialista. “Essa economia de combustível pode chegar a 3%”, aponta.
Já em veículos com reguladores de tensão que não são pilotados pela ECU do motor, a carga enviada à bateria é constante e o peso do movimento do alternador, também. A corrente excedente é dissipada em forma de calor – ou seja, desperdiçada.
“A partir do momento em que a bateria está totalmente carregada, ela não precisa mais de energia. Em modelos de concepção mais antiga, nem a central nem o alternador têm essa informação, então a bateria continua recebendo corrente. Quando a bateria atinge seu limite de carga, não há mais a transformação de energia elétrica em energia química, e a bateria passa a dissipar o excesso transformando energia elétrica em energia térmica”, descreve Norberto.
“CIRCUITO LÂMPADA” VERSUS PROTOCOLO LIN
Para mostrar a diferença entre os dois sistemas, o palestrante toma como exemplo o caso do Ford Ka Sedan 1.5 2019, cujo regulador de tensão é comandado diretamente pela unidade de comando do motor através de rede LIN. Para o compacto, a Gauss oferece no mercado o regulador de tensão GA906 (equivalente ao original Valeo 501405, vide box a seguir), componente exclusivo para linha Ford. Porém, mecanicamente, ele é idêntico ao regulador de código GA905 que possui aplicação em outros veículos que não possuem gerenciamento de carga pela central eletrônica.
O analista de Produto da Gauss, Guilherme Eduardo Ihlenffeldt, detalha que “o regulador GA905 é um ‘circuito lâmpada’, mais simples, e não tem controle pela central do motor. Ele mantém a voltagem para a bateria fixa por volta de 14,5 V. Já o GA906 é totalmente controlado pela central por protocolo LIN, e apresenta variação de saída de tensão conforme a necessidade do veículo e a variação de consumo de corrente”. Esse segundo tipo de regulador pode variar a saída de 12,6 V (tensão de bateria) a até mais de 15 V, dependendo do modelo e do sistema, conforme a necessidade do circuito.
Por ser bem mais barato e permitir exatamente o mesmo encaixe, o GA905 (que tem aplicação na geração anterior do Ford Ka até 2011) costuma ser erroneamente oferecido no lugar do GA906. Após a instalação do regulador errado, os sintomas podem não aparecer imediatamente, afinal, o veículo vai funcionar com tensão constante, o que dificulta ainda mais a percepção do equívoco.
Sobre a semelhança física, Norberto esclarece que a Gauss segue exatamente o desenho do componente que foi colocado na montadora. “A gente faz exatamente como o componente original. E, muitas vezes, como é o caso do GA905 e do GA906, eles são idênticos entre si”, observa. Guilherme complementa apontando que também existem outros reguladores de tensão fisicamente iguais ao GA906, pilotados pela ECU do motor, mas que não usam o mesmo protocolo LIN: ou seja, vão causar os mesmos erros do GA905.
Portanto, muito cuidado ao comprar peças novas apenas pela comparação com fotos do componente retirado do veículo. Isso pode induzir ao erro. Na compra, o melhor referencial para saber se a peça é a correta é comparar o código de aplicação com o catálogo da fabricante.
COMO IDENTIFICAR O REGULADOR DE TENSÃO CORRETO?
Os equipamentos de teste também precisam mudar de acordo com a tecnologia empregada no componente. Reguladores com “circuito lâmpada”, convencionais, podem ser testados em bancada convencional de alternador como a BT 200 das imagens desta matéria (nas fotos, o alternador é do tipo universal, especialmente preparado para testes, fabricado pelo próprio Norberto).
Testando o regulador GA905 na bancada convencional, feitas as ligações corretas, ao se ligar a alimentação, a lâmpada de bateria da bancada deve acender. Com o aparelho ligado, movimentando o alternador sem aplicação de carga, ele mantém a tensão estabilizada em 14,7 V enquanto a corrente cai gradualmente. Isso significa que o regulador está funcionando para a sua aplicação.
Com a mesma ligação e a bancada girando o alternador, o GA906 também mantém a tensão próxima de 14,5 V. Mas como não há simulação de comunicação via protocolo LIN, a tensão não varia. Esse teste revela uma estratégia autônoma de funcionamento quando esse tipo de regulador perde a comunicação com a ECU. Ela permite o carregamento da bateria e a alimentação do circuito mesmo sem a pilotagem da central. “Nessas condições, o regulador entra em um modo de emergência sob um protocolo padrão, chamado ‘Stand Alone’. Só que ele vai manter uma tensão estável, sem variação”, conta Guilherme.
Para testar corretamente um regulador com protocolo LIN, é necessário um aparelho que simule a ECU do motor. Neste caso, Guilherme e Norberto usaram o equipamento BT 030 da Gauss no regulador GA906. Com ele, é possível modular a tensão de saída do regulador como se fosse a própria central pilotando o comportamento do alternador. O aparelho também faz um diagnóstico do re-gulador quanto a problemas mecânicos e, também, identifica o sistema de sua apli-cação original (neste caso, Valeo).
Ao se ligar o regulador GA905 (sem protocolo LIN) em um equipamento que simula a central (BT 030), reproduz-se a condição do problema de aplicação desta reportagem: o aparelho não consegue ler o regulador porque não reconhece o circuito – assim como no Ford Ka Sedan, quando o regulador GA905 sem protocolo LIN é instalado e a ECU não consegue pilotar o funcionamento do alternador.
No veículo, esse erro de aplicação causa dois problemas. O primeiro é a luz de bateria, que vai acender no painel cerca de 30 segundos após a partida porque a ECU não identificou o regulador de tensão. A luz não desligará enquanto o veículo estiver ligado e esse problema só será corrigido ao trocar o regulador pelo certo. O segundo problema é o aumento do consumo de combustível. Como o alternador vai trabalhar produzindo carga constantemente, vai demandar mais força do motor para ser movimentado.
À primeira vista, esses 3% a mais no consumo pode parecer pouco. Mas se o automóvel for de uso profissional, esse adicional pode se tornar bem mais custoso do que a diferença de preço entre as duas peças. O prejuízo ao cliente de se instalar uma peça errada pode aumentar com as variações de preço das peças de uma loja para outra, variações do preço do combustível de um Estado para o outro, variações do trajeto do veículo (subidas constantes, trânsito pesado diariamente), forma de condução do motorista e as condições de conservação e manutenção do próprio carro.
Mais informações
Gauss (41): 3021-2315
Texto e fotos: Fernando Lalli
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