Com profissionalismo e dedicação, mulheres mecânicas conquistam cada vez mais espaço no chão das oficinas independentes no Brasil
Mesmo representando a maioria da população brasileira (com 51,1% do total de habitantes em 2021, segundo o IBGE), as mulheres ainda enfrentam resistência para ocupar determinados espaços e profissões. Uma delas é a de mecânica de automóveis, ofício ainda predominantemente masculino. Mesmo com esse cenário, muitas mulheres mecânicas encaram de frente o preconceito para mostrar que a barreira do gênero é coisa do passado.
Um dos combustíveis para trabalhar na área, a paixão pelo automóvel, é algo que está no sangue da mecânica Thais Roland, de São Caetano do Sul/SP. “Me interesso por carros desde criança. Sempre achei muito legais, especialmente quando meu pai, meu avô ou meus tios mexiam neles na garagem. Mas sempre foi uma curiosidade não estimulada. Ninguém me afastava, mas também não explicava o que estava acontecendo”, conta.
O dia a dia dentro da oficina na infância também foi determinante para o futuro da mecânica Simone Soares, da oficina F&F Motors & Transmissions, em Joaçaba/SC. “Minha paixão vem do berço, pois posso dizer que nasci em uma oficina mecânica, já que meu pai e minha mãe são mecânicos”, revela a catarinense, que, antes de estudar Engenharia Mecânica, quase se formou em Direito. “Trabalhei em escritório de advocacia e gabinete de juiz, mas um sentimento no fundo do coração me dizia que ali não era meu lugar”, relata.
A história de Simone é semelhante à de Rieli Freire, da oficina R Motors, em São Paulo/SP. “Meu pai é mecânico desde os 15 anos de idade e eu cresci dentro da oficina. Eu o ajudava no escritório e em pequenas tarefas, mas nunca tinha pensado nisso como uma profissão para mim”, diz. Enquanto fazia cursinho pré-vestibular para cursar Letras, Rieli passou a se interessar pelos serviços de manutenção em si. “Pedi ao meu pai para me ensinar na oficina. Ele disse que, para mexer nos carros, eu teria que estudar também, pois ser mecânica é uma profissão séria”, explica.
Após trabalhar no ramo de vendas, a mecânica Mariela Dias, da Mobius Serviços Automotivos, em São Paulo/SP, mergulhou no universo da manutenção de forma curiosa. “Eu e meu marido compramos um Citroën Xantia, mas o carro começou a dar muito problema na suspensão hidráulica e ninguém conseguia arrumar. Começamos a estudar e a fazer serviços para amigos, antes de abrir a oficina. E conseguimos, enfim, consertar o Citroën”, comenta Dias, que hoje é especializada em veículos de marcas francesas e importados.
Capacitação e espaço no mercado
Apesar dos valiosos ensinamentos no dia a dia de uma oficina mecânica, a busca por capacitação é essencial para qualquer profissional da manutenção, independentemente do gênero. Thaís, que atuou no ramo da Computação por quase 15 anos, formou-se técnica em Manutenção Automotiva pelo Senai-SP. “Fiz o curso achando que queria um hobby para desestressar do meu antigo emprego, com a ideia de aprender mecânica, comprar um carro velho e mexer nele nas horas vagas. Aí, me encontrei, me apaixonei e nunca mais voltei para o escritório”, revela.
Após trabalhar em diferentes oficinas, com veículos modernos e antigos, a mecânica de São Caetano do Sul criou o blog “Coisa de Meninos Nada” para passar seus conhecimentos ao público. “Também ministro workshops e palestras com o intuito de desmistificar o carro e ajudar as pessoas a cuidarem bem dos seus possantes sem apertos”.
A gaúcha Giovana Toso, da oficina Garagem Filmes, em Esteio/RS, já possuía graduação em Processos Gerenciais e pós-graduação em Logística e Comércio Exterior quando decidiu tornar-se mecânica. Após quase 10 anos em empresas de autopeças, decidiu estudar Mecânica Automotiva na escola UniAlcance. “Quando fiz o curso, eu era a única menina da turma. No geral, os meninos me recebiam bem, mas tinham um certo zelo quando eu executava tarefas que exigiam força”, diz. Para ela, as mulheres têm exatamente a mesma capacidade de um homem no mundo da mecânica.
Após realizar os cursos de auxiliar de Mecânica e técnico em Manutenção Automotiva pelo Senai-SP, Rieli Freire atualmente realiza tecnólogo em Sistemas Automotivos pela mesma instituição de ensino. Ela, que abriu a R Motors em sociedade com o pai, Ricardo Carvalho, diz que o apoio entre mulheres é fundamental para barrar o preconceito. “Se ser mulher mecânica hoje já é difícil e, há 10 ou 20 anos, deveria ser mais. Ainda escuto comentários, piadinhas e sofro preconceito [na oficina]. Mas as mulheres estão se conhecendo pela internet e criando uma comunidade muito forte. A rede social nos aproxima muito”, relata.
Rieli diz ter aprendido a encarar o machismo com o passar do tempo. “O começo foi duro pois, além de mulher, eu era muito jovem. As pessoas tinham preconceito pelo meu gênero e pela minha idade. Para derrubar isso, sempre fui mostrando o meu profissionalismo. Já tive situações de cliente não querer que eu mexesse no carro. Isso me abalava muito no começo, mas, hoje, não mais. A gente tem que enfrentar isso, mostrar que estudamos para fazer o que fazemos”, desabafa.
Estudante de Engenharia Mecânica no Instituto Federal Catarinense (IFC), Simone Soares diz que as mulheres mecânicas devem buscar seu espaço no mercado de trabalho. “Nossa sociedade ainda nos remete ao machismo e ao preconceito. Em cidades pequenas, como a minha, isso fica evidente. Mesmo com a enorme falta de profissionais no mercado, não há mulheres trabalhando com a mão na graxa nas oficinas. O mercado de trabalho continua com muita resistência em contratar e treinar mulheres mecânicas”, opina.
No dia a dia da oficina, Giovana Toso dribla situações difíceis com seu profissionalismo. “O preconceito às vezes vem de clientes homens e, infelizmente, de clientes mulheres. Respondo com o meu trabalho e com meu conhecimento técnico que não estou brincando. Não sou mecânica por falta de opção. Faço isso porque gosto”, ressalta Giovana.
“A mulher vem conquistando seu espaço na porrada há muito tempo. O legal que eu sinto é que estamos mais unidas e nos ajudando mais, e isso é lindo. Vejo grupos de mulheres se formando para trocar informações e experiências. Eu, particularmente, gosto muito de ser uma super incentivadora. Deixo claro que os perrengues vão acontecer, mas que são transponíveis”, complementa Thaís Roland.
Além da paixão pelo ofício de mecânica, as mulheres entrevistadas para esta reportagem têm um hábito em comum: a leitura assídua das edições da Revista O Mecânico. “Continuo me informando sempre e conto com as informações valiosas que a Revista O Mecânico manda pra mim todo mês”, conta Thaís, que também já participou do Congresso Brasileiro do Mecânico e Semana do Mecânico, eventos organizados pela Revista.
“Eu leio a Revista O Mecânico desde pequena e é uma honra participar desta história. É importante essa iniciativa de mostrar que temos mulheres no setor”, afirma Rieli.
Giovana também conta com a publicação da Infini Mídia para o desenvolvimento profissional. “A Revista O Mecânico é uma ótima ferramenta, pois aborda temas muito técnicos e específicos. Cada carro tem sua particularidade e a revista traz isso a cada edição”, revela a mecânica gaúcha.
Para as leitoras da Revista O Mecânico que desejarem seguir o caminho da manutenção automotiva, Simone Soares dá um conselho. “No início nada é fácil, e vencer o preconceito é uma luta diária. Mostre a você mesma que é capaz de trabalhar com o que ama. Estude! Buscar conhecimento abre portas. Conquiste seu espaço com garra e força, pois nosso lugar é onde queremos estar”, conclui.
Texto: Gustavo de Sá
Fotos: Arquivo pessoal
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