quinta-feira, 28 de maio de 2020

Carga e partida: Verifique a saúde da bateria e do alternador

Saiba como diagnosticar desequilíbrio elétrico no sistema de carga e partida do veículo, citando como exemplo um Volkswagen up! TSI

 

Bateria e alternador são componentes intimamente ligados. Um só consegue cumprir sua função se o outro estiver com a saúde em dia. Apesar de ser o componente que fornece a corrente necessária para todo o sistema elétrico do veículo, a bateria é um acumulador de energia, e não um gerador. Depois de ligado o carro, o alternador – este sim, um gerador de energia – repõe a corrente que é retirada da bateria na partida. O acumulador, abastecido constantemente pelo gerador, provê a corrente aos demais componentes alimentados eletricamente durante o funcionamento do carro.

Como o próprio nome já indica, o alternador gera corrente alternada. Esta, posteriormente, é transformada pela ponte retificadora em corrente contínua para abastecer a bateria. Quando o alternador envia energia suficiente para manter a carga da bateria constante – ou seja, gera corrente proporcionalmente à medida que esta é drenada –, o equilíbrio energético ocorre. “A energia gerada pelo alternador é acumulada pela bateria e fica disponível para os consumidores. Se o sistema consegue gerar energia proporcional ao consumo, isso é o equilíbrio elétrico”, define o chefe de serviços automotivos da Bosch para a América Latina, Diego Riquero Tournier.

Quando todos os consumidores instalados são originais de fábrica, o sistema de carga do veículo é dimensionado para atender a essa demanda. O maior dependente do estoque que a bateria tem a oferecer é o motor de partida. Existem outros consumidores no veículo que devem ser alimentados com o veículo em funcionamento (faróis, climatização, iluminação interna, multimídia etc.), mas em veículos convencionais, pode levar até quase uma hora para a bateria ser recarregada por completo após uma partida. “A carga da bateria é uma reação eletroquímica que demanda tempo. Não é instantânea. Forçar essa reação (cargas rápidas) pode provocar superaquecimento da bateria e outras reações indesejáveis”, explica o professor de engenharia da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), Fernando Landulfo.

Landulfo faz uma analogia do sistema de carga do veículo com o abastecimento de água de uma casa, no qual a bateria seria a caixa d’água e o alternador, o abastecimento externo de água. “A entrada de água da rua, juntamente com o sistema de válvula de boia, deve manter o nível da caixa constante, mesmo enquanto a água é consumida na casa. Quanto mais água se consome dentro da casa, mais rápido a caixa se esvazia. Quanto mais baixo é o nível da caixa, mais a boia desce e a entrada de água vinda da rua se abre, aumentando a taxa de reposição da caixa e a mantendo em nível constante. À medida que o consumo de água diminui, o nível da caixa rapidamente sobe, arrastando consigo a boia, que vai fechando a válvula que permite a entrada de água no interior da caixa”.

 

 

O professor complementa comparando que, se o consumo da casa (sistema elétrico) for maior do que a vazão de entrada de água da rua (alternador), mais cedo ou mais tarde a caixa d’água (bateria) vai acabar vazia. Ainda, utilizar baterias de menor capacidade, geralmente de baixo custo, é o mesmo que reduzir o volume da caixa d’água: a quantidade menor energia pode não suprir as necessidades do veículo, além de sobrecarregar o alternador. Uma economia que não vale a pena.

Como identificar o problema?

Se o alternador consegue suprir plenamente o consumo da corrente da bateria pelo sistema elétrico, diz-se que o sistema se encontra em equilíbrio. Mas se o consumo dos componentes elétricos e eletroeletrônicos exceder a capacidade de geração de energia do alternador e de armazenamento pela bateria, a balança vai se desequilibrar e diminuir a vida útil da bateria e a eficiência do alternador. “O alternador possui um limite máximo de geração. Se o consumo ultrapassar essa capacidade, a bateria chegará à sua exaustão. O tempo em que isso ocorrerá depende unicamente da diferença entre a energia gerada e a consumida”, explica o professor.

Outro fato que precisa ser levado em consideração é que nos veículos modernos, dotados de alta tecnologia embarcada, a regularidade da alimentação elétrica desses sistemas é essencial. “Tensões baixas ou picos de corrente podem, na melhor das hipóteses, provocar sintomas de mau funcionamento nos mais variados sistemas. É preciso ficar atento a isso quando se realiza um diagnóstico”, aponta Landulfo.

O sistema elétrico do veículo é dimensionado para receber alguns acessórios extras. Mas a adição exagerada de consumidores elétricos que não estavam previstos na configuração original do veículo, como amplificadores de som mais potentes ou uma trava antifurto, pode sobrecarregar o sistema. “A utilização de consumidores pesados não previstos exige um redimensionamento não só do alternador, como de toda a instalação”, afirma Landulfo, observando que, mesmo fazendo uso de acessórios dentro da segurança prevista pela fabricante do automóvel, é preciso lembrar que o sistema precisará de mais tempo para suprir esse consumo extra drenado da bateria.

 

 

Da mesma forma, se o veículo percorre trajetos muito curtos todos os dias e não roda o tempo suficiente para o alternador recarregar a bateria após a descarga que sofreu na partida, isso prejudica sua vida útil e, também, desequilibra a balança. Outro aspecto que deve ser levado em conta é que o alternador opera em função da rotação do motor, de forma intermitente e variável. Quando o motor se encontra em marcha lenta, a corrente gerada é mais baixa. Logo, a utilização por muito tempo de consumidores mais sedentos por corrente em congestionamentos pode “quebrar” o equilíbrio energético. É preciso alertar o cliente, que nem sempre lê o manual do veículo, com relação a isso.

Para mostrar como testar o sistema de carga e partida, Diego Riquero, da Bosch, usou um analisador de motores FSA 740. Na sequência, foram feitos o teste de fuga de corrente, de consumo do motor de partida e funcionamento do alternador. Contudo, os mesmos testes podem ser feitos com aparelhos separa­ dos – no caso, multímetro, osciloscópio automotivo, entre outros. O veículo utilizado foi o Volkswagen up! TSI 2018.

Antes de começar o diagnóstico, é necessário ver as especificações de capacidade de fornecimento de energia da bateria do veículo. No caso do up! TSI, trata-se de uma bateria com capacidade de 44 Ah. Outro dado primordial é a corrente de partida (CCA, sigla para “Cold Cranking Ampère”, ou “Corrente de Arranque a Frio”), que pode ser expressa em diferentes normas: no caso desta bateria, ela possui 360 A na norma SAE e 220 A na norma DIN.

Fuga de corrente

A fuga de corrente em repouso é um vilão clássico da bateria. Esse problema acontece quando algum componente gera um consumo elétrico constante com o carro totalmente desligado, como uma lâmpada interna que não desliga, alarmes não originais ou até mesmo o mau contato da frente destacável do aparelho de som. Isso se torna um grande desperdício e descarrega a bateria, dificultando ou até impedindo a partida quando esse consumo é prolongado.

 

 

“É aquele caso em que o carro fica uma, duas, três noites parado e depois disso não tem mais carga para dar a partida. Pode ser problema na bateria, mas muitas vezes é fuga de corrente”, pondera Diego, da Bosch. O teste é a maneira de se identificar o problema.

Para comprovar se há consumo indevido de corrente, deixe o carro totalmente em repouso por pelo menos 5 minutos. Retire a chave do contato, feche todas as portas, porta-malas e porta-luvas para que as luzes de cortesia não fiquem acesas, e tranque o veículo com a alarme ligado.

Veículos mais recentes, com mais eletrônica embarcada, possuem um processo chamado “power latch”, no qual, após o desligamento do carro, algumas unidades de gerenciamento continuam alimentadas eletricamente por um breve tempo antes de repousarem por completo. Esse consumo não pode ser confundido com fuga de corrente.

desequilíbrio elétrico no sistema de carga e partida do veículo com Volkswagen up! TSI

Diego conectou pontas de prova nos polos positivo e negativo da bateria para coletar os dados de tensão e, para abraçar todo o circuito por um único conector, posicionou no cabo negativo a pinça amperimétrica de 30 A – sensível o bastante para detectar fluxo na casa dos miliampères (mA) (1). O especialista em sistemas automotivos da Bosch explica que tanto faz colocar a pinça no borne positivo ou negativo, mas neste caso é mais fácil colocar no negativo, uma vez que a conexão do positivo do up! TSI possui uma placa na qual estão conectados diversos cabos separadamente.

A rigor, a fuga de corrente não pode ultrapassar 0,05% da capacidade da bateria (ver tabela acima). Em baterias até 45 Ah, como a do up! TSI, a corrente de fuga máxima é de 20 mA (0,02 A). Neste veículo, a medição (2) acusou fuga em repouso de 61 mA (0,06 A), o que está fora da margem aceitável e, portanto, atesta que o sistema está em desequilíbrio. A causa é a adição de um rastreador que não estava previsto no projeto original. Como, para o uso do veículo, o acessório é obrigatório, a correção indicada é o uso de uma bateria de 75 a 90 Ah, que suporta esse consumo em repouso.

desequilíbrio elétrico no sistema de carga e partida do veículo com Volkswagen up! TSI

A título de curiosidade, Diego demonstrou o “power latch” na prática apenas desativando o alarme do veículo. Veja no gráfico acima que, após o pico de consumo acima dos 7 A, o consumo em repouso não voltou imediatamente aos 0,07 A, mas sim oscilou entre 0,09 A e 0,15 A por algum tempo. Isso porque o ato de destravar o veículo “acorda” as unidades de comando, que entram em estado de vigilância aguardando que o motorista entre no veículo e ligue a ignição. “Uma vez que é desativado o alarme, todas as centrais eletrônicas são colocadas em alerta de que vai ser dada a partida no veículo”, afirma o especialista da Bosch.

Teste de consumo do motor de partida

Este teste mede se o grande consumo do motor de partida está em equilíbrio com o acumulador de energia do sistema. Para isso, é necessário trocar de pinça amperimétrica e de posição de medição: Diego utilizou uma pinça de 1.000 A no cabo positivo da bateria, de maior bitola, que é ligado diretamente ao principal conector do motor de partida (3).

desequilíbrio elétrico no sistema de carga e partida do veículo com Volkswagen up! TSI

Mantenha as pontas de prova para medição de voltagem nos conectores positivo e negativo da bateria: a queda de voltagem no momento da partida também é um dado importante (4).

desequilíbrio elétrico no sistema de carga e partida do veículo com Volkswagen up! TSI

No modo de teste implementado no FSA 740, é informada a CCA de 360 A (SAE). O equipamento usa esse dado, mais a temperatura ambiente, como referenciais para o comportamento que será lido durante a ignição. Outros equipamentos de teste podem demandar processos ligeiramente diferentes. O mesmo teste pode ser feito com um multímetro medindo a tensão e outro equipamento medindo a corrente.

No gráfico (5) gerado pelo equipamento na ignição, há duas linhas: a corrente em ampères (vermelha) e a tensão em volts (azul). No momento do acionamento do motor de partida, com o motor frio, o consumo de corrente atingiu 565 A (o símbolo negativo no aparelho indica débito e não polaridade) e a tensão desceu dos 12,3 V em repouso para 7,80 V. De acordo com as informações fornecidas e os resultados, o equipamento também calculou a resistência interna da bateria em 7,8 mΩ.

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Apesar dos números de corrente debitada e queda de voltagem apresentados estejam fora do especificado, a indicação em verde no aparelho indica “aprovação”, ou seja, bateria e motor de partida estão em equilíbrio. Por isso, aqui entra o conhecimento do mecânico acerca do equipamento que está utilizando para interpretar o ocorrido.

A corrente debitada da bateria indicada no aparelho de 565 A, bem superior ao valor expressado de CCA na norma SAE (360 A), “pode acontecer e não necessariamente ser um defeito”, explica Diego Riquero. É preciso verificar não só o valor da corrente, mas também por quanto tempo ela perdura. “Essa medição, geralmente, é um pico instantâneo e pode estar relacionado ao momento da partida, local no qual ficaram os pistões, temperatura do motor etc.”. Pequenas variações não só estão previstas como especificadas pelo fabricante, tendo em vista condições extremas de partida, geralmente, na forma de uma porcentagem. Por este motivo, o importante é analisar o gráfico, ou seja, a curva, independentemente do pico máximo.

Segundo Diego, “o aceitável é obter uma medição média de curva do consumo durante momento de partida, e que esse resultado fique próximo do CCA do modelo de bateria que equipa o veículo, segundo o fabricante. Dentro desta medição média, pode ser considerada uma variação de mais ou menos 15%. É verdade que esses 565 A são elevados se comparados com o valor de CCA informado de 360 A. Mas, é bom lembrar que é um pico de consumo instantâneo que pode ser visto pela caraterística do equipamento, este, que pode registrar os eventos em uma escala de tempo muito curta. Se colocar um amperímetro em série, esse valor de pico não seria registrado, já que se trata de um evento que aconteceu em uma fração de segundo”.

Quanto à queda de voltagem, a tolerância é de até 20% do valor nominal. “Isso quer dizer que, para uma bateria de 12 V, um valor de leitura aceitável de queda de tensão durante a partida seria 9,6 V”, determina Diego. A queda de 7,8 V é muito acentuada, mas também aconteceu por uma pequena fração de segundo. Mais uma vez, o comportamento o gráfico é o que determinou a aprovação da bateria pelo equipamento.

Teste do alternador

Após verificar a descarga de corrente na partida, é essencial saber se o alternador consegue repor energia adequadamente enquanto também alimenta. Inicialmente, saiba qual é a capacidade do alternador: no up! TSI, é de 110 A. “Isso significa que ele poderia fornecer 110 A ainda mantendo tensão de trabalho acima de 12,8 V, ou seja, sem descarregar a bateria”, detalha o especialista da Bosch.

Para fazer essa medição, mude a pinça amperimétrica de 1.000 A para o cabo de alimentação que vem do D+ do alternador para o borne positivo da bateria. “Pelo seu diâmetro, deduz-se que passa por dele uma quantidade razoável de corrente”, observa Diego. “Aqui estamos medindo o circuito de geração, não o de consumo. Por isso, temos que medir na posição específica que é a saída do alternador. Se você colocar a pinça em outro lugar, o teste estará comprometido”. Mantenha as pontas de prova nos polos positivo e negativo da bateria.

Ligue o carro e veja o comportamento do amperímetro. Neste caso, observou-se pico durante a partida de aproximadamente 60 A e, após a estabilização da marcha lenta, se manteve entre 20 e 23 A com a tensão por volta de 14 V.

Diego explica que os alternadores não geram 100% da carga em marcha lenta, mas os atuais conseguem chegar a 80% de entrega. Por essa razão, é preciso se atentar à quantidade de consumidores ligados em situação de marcha lenta prolongada, como em congestionamentos, para verificar se o alternador está conseguindo suprir a demanda de consumo do sistema e abastecimento da bateria.

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Ligue todos os consumidores do carro, tais como farol alto, ar-condicionado, desembaçador, rádio, luzes de cortesia, e observe o comportamento do amperímetro e do voltímetro: a corrente aumenta (aqui chegou a ultrapassar os 60 A) enquanto a voltagem se manteve entre 13,8 V. Ou seja: o alternador conseguiu suprir a demanda dos consumidores e, ainda, carregar a bateria.

Para observar a entrega em condição de rodagem, acelere o motor e mantenha a rotação entre 2.500 rpm e 3.000 rpm com os consumidores ligados. Novamente, chegou à corrente de 60 A e voltagem estável em 14 V. “Nenhuma montadora vai fazer um sistema de carga no qual o alternador entrega a capacidade máxima sem margem de um maior consumo”, afirma Diego.

desequilíbrio elétrico no sistema de carga e partida do veículo com Volkswagen up! TSI

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Outro dado importante é a ondulação da bateria – o que o especialista da Bosch chama de “qualidade da corrente”, ou seja, a estabilidade da retificação da corrente pelo alternador para o carregamento da bateria. Na transformação da corrente alternada para corrente contínua, não pode haver picos de tensão positiva ou negativa, o que indicaria necessidade de troca dos diodos. Pelo gráfico, foi possível atestar a linearidade desejada, significando que não há fuga de diodo da placa retificadora.

Mais informações – Bosch: boschtreinamentoautomotivo.com.br 

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